01/11/2010

Ideário de Coimbra - 107 - (dois fragmentos)

Coimbra, domingo, 31 de Outubro de 2010

Repara, não é já a minha vontade que escrevo, mas o afinal acaso (ou o final ocaso) da minha condição. Pinguim isolado na placa de gelo que se isolou, ela também, da calota – e agora flutua em liberdade triste. Fora deste sítio onde levo o serão, uns poucos carros farolinando a Noite: rubis-pirilampos anónimos e idênticos todos. Haverá, talvez, casas onde famílias. P(r)oesia, enfim. Hiberno intimamente, enfim.

*
Senhores e senhoras não
meus nem minhas,
estamos vivos. É
melancólico, mas assim
é. O vento fustiga os amieiros,
as macieiras, as pontes, o sono
das aves, encrespa as águas do
Rio para que
hei nascido,
talvez.
O derradeiro comboio do dia
leva meia dúzia dos senhores e
das senhoras, se
tanto.
Doentes esperam amanhãs mais
ainda ósseos, hematológicos.
O meu Pardal foi morto por um
gato faz amanhã vinte e nove
anos. Sinto-o
sempre, pousa na minha cabeça
’inda, confia em
mim, talvez me
ame.

1 comentário:

JJC disse...

Amigo,

deixa-me dizer-te umas frases à boleia do teu pássaro nunca mais na tua mão.

Esta noite, por um acaso, sonhei com vários dos meus mortos, mas eles estavam muito vivos no sonho. O meu pai, por exemplo, fartou-se de rir.
Pelas duas da tarde, a minha mulher (sem que eu tocasse no assunto) disse-me que ela própria sonhara com gente ida (pai, irmão, vizinha, avó). De modo que, numa espécie de 1 de Novembro convencionalizado, dormíramos o mesmo son(h)o e acordámos ambos, nesta comum relatividade de existir, com os mesmos mortos na cabeça.
Isto percebe-se (sente-se) ainda melhor na imensidão do deserto transmontano, terra de exílio sem remédio, onde o crepúsculo começa a toque de sinos ainda antes das três da tarde.
Nunca me foi tão triste o lugar e o tempo onde estou, Daniel! A tua Coimbra, como eu a entendo(?), é semelhante à ausência que dela por aqui cada vez mais há.

Abraço e admiração.

QJ

Canzoada Assaltante