Tapéus, Soure, manhã e tarde de domingo, 17 de Maio de 2009
I
Provido de não outro mistério que o simples de estar vivo.
Numa aldeia portuguesa, manhã de um domingo, por o pré-ocaso da primeira década do novo milénio.
Cabala humilde: feira de queijos, cordões de pinhões, peixe do rio, cassetes gravadas em garagens vizinhas de estaleiros da construção civil.
A construção civil da pessoa, a unidade elementar.
Vivendas com painéis de santos, rapazes de boné com marca de tintas, senhoras embrulhadas em chita como peixes de salão, pés encanastrados a plástico de Taiwan, senhores túmidos como acontecimentos roxos, provas de vinhos, infâncias tecnológicas a pilhas rentes a vinhas vãs, muros rebocados a chapisco de talocha, gaiteiros estridentes, flores amarelas pisadas pelo chão, o órgão da missa televisiva ventando frio no café, a pausa rural da eternidade, subespécie.
Engraçada mulher – como um papagaio encarnado, lacrada a sapatos vermelhos, a pele alta de um branco ósseo, articulada, mineral, vertical de saltos escarlates, rubra epifania no corredor da feira, entre queijos, garrafas, matraquilhos, farturas e tremoços.
II
Inumeráveis finitudes pessoais por uma única infinitude.
Uma manhã acabada: como um fruto.
Pensamento, extensão, modo: estado corporativo de tanta alma.
E o coração como um carimbo endógeno.
Afeições em liberdade: pela negativa da superstição,
por amor de Deus.
Então, a cidade acampa o país de si mesma.
Os animais em pasto corredor: dinâmica, nutrição, atenção.
Chapadas gráficas na retina paisagística.
Portugal miudinho, retrato recreativo, poster de associação local.
Queijo silvestre, azeite manso, homens-silhuetas.
Na barraca das cassetes, cor e ruído e mulher infeliz.
Gravatas grenás e colarinhos azuis, cabeleiras ungidas de óleo imanente, ancas malquebradas, rugas, cintos de napa, tabernáculos, cacos de século, lavagem e cal, igreja mínima em postal.
Numerada finitude.
III
Além dos segmentos de tempo (as pessoas, seus corpos geométricos), a feira é necessária, não é contingente.
O instinto a conhece endogenamente.
A humanidade pode chegar a partilhar Deus com os animais, respirando.
Aqui o manto da montanha lasca o vento, a presença sideral do nocturno, os bebedouros frios, os adornos de prata, folclore pobre e crianças aos gritos, autarcas oxidados, probabilidade de aguaceiros para o fim da tarde
(1632-1677).
Nenhuma tristeza, quintais apenas, onde a nespereira e o limoeiro vigoram sua estatuária verde.
Uma família acampada de frangos assados vocifera gargalhadas, cascas de melão, filharada, blusas que estoiram cor, avó encordoada de varizes.
E além-dia, os dias.
E os nomes além-pessoas,
aquém.
Provido de não outro mistério que o simples de estar vivo.
Numa aldeia portuguesa, manhã de um domingo, por o pré-ocaso da primeira década do novo milénio.
Cabala humilde: feira de queijos, cordões de pinhões, peixe do rio, cassetes gravadas em garagens vizinhas de estaleiros da construção civil.
A construção civil da pessoa, a unidade elementar.
Vivendas com painéis de santos, rapazes de boné com marca de tintas, senhoras embrulhadas em chita como peixes de salão, pés encanastrados a plástico de Taiwan, senhores túmidos como acontecimentos roxos, provas de vinhos, infâncias tecnológicas a pilhas rentes a vinhas vãs, muros rebocados a chapisco de talocha, gaiteiros estridentes, flores amarelas pisadas pelo chão, o órgão da missa televisiva ventando frio no café, a pausa rural da eternidade, subespécie.
Engraçada mulher – como um papagaio encarnado, lacrada a sapatos vermelhos, a pele alta de um branco ósseo, articulada, mineral, vertical de saltos escarlates, rubra epifania no corredor da feira, entre queijos, garrafas, matraquilhos, farturas e tremoços.
II
Inumeráveis finitudes pessoais por uma única infinitude.
Uma manhã acabada: como um fruto.
Pensamento, extensão, modo: estado corporativo de tanta alma.
E o coração como um carimbo endógeno.
Afeições em liberdade: pela negativa da superstição,
por amor de Deus.
Então, a cidade acampa o país de si mesma.
Os animais em pasto corredor: dinâmica, nutrição, atenção.
Chapadas gráficas na retina paisagística.
Portugal miudinho, retrato recreativo, poster de associação local.
Queijo silvestre, azeite manso, homens-silhuetas.
Na barraca das cassetes, cor e ruído e mulher infeliz.
Gravatas grenás e colarinhos azuis, cabeleiras ungidas de óleo imanente, ancas malquebradas, rugas, cintos de napa, tabernáculos, cacos de século, lavagem e cal, igreja mínima em postal.
Numerada finitude.
III
Além dos segmentos de tempo (as pessoas, seus corpos geométricos), a feira é necessária, não é contingente.
O instinto a conhece endogenamente.
A humanidade pode chegar a partilhar Deus com os animais, respirando.
Aqui o manto da montanha lasca o vento, a presença sideral do nocturno, os bebedouros frios, os adornos de prata, folclore pobre e crianças aos gritos, autarcas oxidados, probabilidade de aguaceiros para o fim da tarde
(1632-1677).
Nenhuma tristeza, quintais apenas, onde a nespereira e o limoeiro vigoram sua estatuária verde.
Uma família acampada de frangos assados vocifera gargalhadas, cascas de melão, filharada, blusas que estoiram cor, avó encordoada de varizes.
E além-dia, os dias.
E os nomes além-pessoas,
aquém.
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