Estas quadras decorreram-me da viagem de 20 de Fevereiro de 2008 à minha terra. Fui e vim de comboio. Acho sempre muita piada a que os transcursos se volvam (de)cursos – e, então, discursos. São, enfim, apenas linhas, quatro a quatro.
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Quinze Quadras Ferroviárias
Vou com o corpo través o nevoeiro de comboio.
Taludamos árvores arteriais na espessura.
Ambos temos janelas: de que as casas perdidas,
de fora revistas na viagem unívoca.
É na manhã muito cedo, não na vida.
A noite provisória do túnel faz pensar.
Um clarão de água arde, ontem chovida.
Nutri a sabão o cabelo, manhã muito cedo.
Na fortuna do tempo, nossos rostos pobres.
Eles e nossas siamesas tristezas.
Casais mínimos caiam os campos insones.
Deveríamos ter partido – e só chegamos e não bastamos.
Uma leira nutritiva de flores de comer:
couves, cardos, pedras, lama.
Fábricas derruídas aluem genealogias.
Abandonaremos este comboio e toda a gente.
Queria o meu corpo entre madeiras vivas.
Queria que dele fosse a boca viva.
Ter um pouco de tempo para ele,
um sítio no mundo a que dar o nome.
Uma linha azul aos pés de uma casa.
Uma taça de fruta respirando cor.
As vozes furtivas das madeiras dos móveis.
E a narrativa dos tapetes na casa vazia.
Imaginadamos, como fetos, na luz amniótica.
Das estátuas recebemos a desumana perenidade.
Perónios racham, tíbios, as canas do andar.
Ainda há quem queira envelhecer como árvore.
Bebe café com leite, anda, um bolo-de-arroz.
Essa feroz alegria de animal amador é tua, corpo.
Vocabulárias andorinhas em cabos de alta-tensão.
E parelhas de senhoras sem leitura por pastelarias.
Dói-me aquela, como um dente, fábrica abandonada.
Esmeraldam arrozais por linhas de água.
Montes imprimem dedadas escuras no céu baixo.
Vem-me o corpo pedir agasalho, alguma ternura.
Somos nós no meu corpo de que sou.
Finco dele as palavras apeadeiras:
pipipapiações de pássaro velho, na manhã
muito cedo, não na vida.
Concedamos-lhe, legitimadores, alguma ânsia ultramarina.
Um baldio de lembranças é uma coutada.
Atribuamos-lhe uma menina.
Uma bonita e triste, coitada.
Deus gosta de assembleias garrotadas de gravatas,
não de ruas de putas com gatos e cascas.
Deus não gosta nem de nós nem das estátuas
de cera que Lhe erguemos em séculos vazios.
Recebemos as pancadas do leite.
Deitamo-nos ao caminho como redes ao mar.
Barquitos trôpegos na corrente sanguínea.
E telefones tocando depois de arrancados da corrente.
Jardins alamedam canteiros de almas.
Toca o rio sua única nota, caminho do mar.
Anjos espreguiçam as asas molhadas.
Foi isto que viemos buscar.
Isto nos veio apresar.
Versos mandibulares e putas e gatos e cascas.
Se puder ser, merendaremos um dia.
Nos não bastaremos, tarde na noite.
Vou com o corpo través o nevoeiro de comboio.
Taludamos árvores arteriais na espessura.
Ambos temos janelas: de que as casas perdidas,
de fora revistas na viagem unívoca.
É na manhã muito cedo, não na vida.
A noite provisória do túnel faz pensar.
Um clarão de água arde, ontem chovida.
Nutri a sabão o cabelo, manhã muito cedo.
Na fortuna do tempo, nossos rostos pobres.
Eles e nossas siamesas tristezas.
Casais mínimos caiam os campos insones.
Deveríamos ter partido – e só chegamos e não bastamos.
Uma leira nutritiva de flores de comer:
couves, cardos, pedras, lama.
Fábricas derruídas aluem genealogias.
Abandonaremos este comboio e toda a gente.
Queria o meu corpo entre madeiras vivas.
Queria que dele fosse a boca viva.
Ter um pouco de tempo para ele,
um sítio no mundo a que dar o nome.
Uma linha azul aos pés de uma casa.
Uma taça de fruta respirando cor.
As vozes furtivas das madeiras dos móveis.
E a narrativa dos tapetes na casa vazia.
Imaginadamos, como fetos, na luz amniótica.
Das estátuas recebemos a desumana perenidade.
Perónios racham, tíbios, as canas do andar.
Ainda há quem queira envelhecer como árvore.
Bebe café com leite, anda, um bolo-de-arroz.
Essa feroz alegria de animal amador é tua, corpo.
Vocabulárias andorinhas em cabos de alta-tensão.
E parelhas de senhoras sem leitura por pastelarias.
Dói-me aquela, como um dente, fábrica abandonada.
Esmeraldam arrozais por linhas de água.
Montes imprimem dedadas escuras no céu baixo.
Vem-me o corpo pedir agasalho, alguma ternura.
Somos nós no meu corpo de que sou.
Finco dele as palavras apeadeiras:
pipipapiações de pássaro velho, na manhã
muito cedo, não na vida.
Concedamos-lhe, legitimadores, alguma ânsia ultramarina.
Um baldio de lembranças é uma coutada.
Atribuamos-lhe uma menina.
Uma bonita e triste, coitada.
Deus gosta de assembleias garrotadas de gravatas,
não de ruas de putas com gatos e cascas.
Deus não gosta nem de nós nem das estátuas
de cera que Lhe erguemos em séculos vazios.
Recebemos as pancadas do leite.
Deitamo-nos ao caminho como redes ao mar.
Barquitos trôpegos na corrente sanguínea.
E telefones tocando depois de arrancados da corrente.
Jardins alamedam canteiros de almas.
Toca o rio sua única nota, caminho do mar.
Anjos espreguiçam as asas molhadas.
Foi isto que viemos buscar.
Isto nos veio apresar.
Versos mandibulares e putas e gatos e cascas.
Se puder ser, merendaremos um dia.
Nos não bastaremos, tarde na noite.
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