Anteontem, conheci uma senhora que foi tanoeira, outra que foi moleira. Octogenárias ambas e ambas viúvas – frágeis são os homens. Duas lutadoras invencíveis – foi o que me pareceram.
Ontem, conheci dois homens (pai e filho) ferreiros. Mostraram-me lances da arte do ferro e do fogo. Vi, deles, as alfaias e as ferragens novas.
Hoje é hoje. Na rádio, as vozes delas e deles retornam ao éter. Faço de altifalante. Pego em vidas, torno-as ouvidas.
Impossível não gostar desta gente. Na casa da moleira, as estruturas de produção envelheceram com a mestra do ofício. Inquietei-lhe o gato, um bicho negro e lustral que se escapuliu entre tabuamentos ruídos. À porta da tanoeira, no pátio, ouvi e vi o correr da água para o tanque, para as árvores fruteiras. Na oficina dos ferreiros, consultei sem dicionário de rimas o duro lirismo dos oficiais de toda a vida, todo o ferro, todo o fogo.
Gravei orgulho e humildade. Magnetizei algum tempo. Estou, portanto, ainda a tempo. Posso ser moleiro, tanoeiro, ferreiro, repórter. Posso estar vivo para além da mecânica da respiração, do frenesim onírico, da roda alimentar, da enxúndia bibliográfica.
Pela tardinha, arrumado o gravador, quando o mel do sol coagula casas e veredas, uma pessoa é outra vez gente. Eu sinto. Os lugarejos, semeados pelo vento a toda a extensão do vale, pepitam de candeeiros. Um fio de azeite frita peixe miúdo. O louco que pede cigarros sossegou sob a tília, ei-lo que boceja imune como um cachorro.
Mulheres vivas, ausentes homens – o jogo é de sempre. Compreendo a minha função, exerço-a, não lhe chamo destino, chamo-lhe função. Formiga laboreira, acumulei víveres no carro. Pensar é conferir bronze à lata de viver. Não penso muito.
Às nove da noite, o ontem dos ferreiros reviverá no futuro escuro da rádio. Escuro e furtivo como o gato da moleira.
Não ligo o rádio: ainda é tudo tão cedo.
Ontem, conheci dois homens (pai e filho) ferreiros. Mostraram-me lances da arte do ferro e do fogo. Vi, deles, as alfaias e as ferragens novas.
Hoje é hoje. Na rádio, as vozes delas e deles retornam ao éter. Faço de altifalante. Pego em vidas, torno-as ouvidas.
Impossível não gostar desta gente. Na casa da moleira, as estruturas de produção envelheceram com a mestra do ofício. Inquietei-lhe o gato, um bicho negro e lustral que se escapuliu entre tabuamentos ruídos. À porta da tanoeira, no pátio, ouvi e vi o correr da água para o tanque, para as árvores fruteiras. Na oficina dos ferreiros, consultei sem dicionário de rimas o duro lirismo dos oficiais de toda a vida, todo o ferro, todo o fogo.
Gravei orgulho e humildade. Magnetizei algum tempo. Estou, portanto, ainda a tempo. Posso ser moleiro, tanoeiro, ferreiro, repórter. Posso estar vivo para além da mecânica da respiração, do frenesim onírico, da roda alimentar, da enxúndia bibliográfica.
Pela tardinha, arrumado o gravador, quando o mel do sol coagula casas e veredas, uma pessoa é outra vez gente. Eu sinto. Os lugarejos, semeados pelo vento a toda a extensão do vale, pepitam de candeeiros. Um fio de azeite frita peixe miúdo. O louco que pede cigarros sossegou sob a tília, ei-lo que boceja imune como um cachorro.
Mulheres vivas, ausentes homens – o jogo é de sempre. Compreendo a minha função, exerço-a, não lhe chamo destino, chamo-lhe função. Formiga laboreira, acumulei víveres no carro. Pensar é conferir bronze à lata de viver. Não penso muito.
Às nove da noite, o ontem dos ferreiros reviverá no futuro escuro da rádio. Escuro e furtivo como o gato da moleira.
Não ligo o rádio: ainda é tudo tão cedo.
Caramulo, tarde de 27 de Julho de 2006
4 comentários:
Música para os meus ouvidos, é o que posso dizer deste texto. Transmite suavidade (sem esconder o inverno da vida).Gosto do gato preto e do cheiro a tília.Para continuar.
continuaremos. agradeço.
Muito bom. Continuo cliente.
Adorei. Continuo presente, também.
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