Num destes dois invernos foi: 1987 ou 1989.
Ao contrário do inverno, tenho a certeza do sítio: era na Figueira da Foz, a mais bela cidade do mundo.
Do meu mundo.
Já então eu anoitecia gravemente.
Uma noite, fui a um bar a cujo balcão pontificava um homem chamado Gervásio.
Passavam vídeos para dar à coisa um ambiente.
Level 42, Men without Hats, Living in a Box, filarmónicas dessas.
A minha vida suspendeu-se quando passaram The Psychedelic Furs.
Apercebi-me logo da perfeição do momento.
O cantor olhava-se, a um espelho de camarim, numa manhã de Agosto de 2006.
Eu tinha tão pouca idade, que lembrava o mesmo.
Tudo o que comecei, fi-lo cedo.
Tudo o que acabei, acabei-o mais cedo ainda.
Eu tinha uma morte no cadastro.
Levava-a comigo para todo o lado, sobretudo a sítios garantidos por homens-gervásios.
Da sala de entrada, descia-se por três degraus para um reservado.
A uma dessas mesas, um gajo e duas gajas mantinham um pequeno comércio estupefaciente.
Seriam da minha idade.
Paguei-lhes três, quatro rodadas.
Depois, mais duas, três.
Entorpeci-lhes, sem querer, o comércio.
O tipo tornou-se gentil.
Que, se eu quisesse, me não faltaria nada, nunca, na vida.
Ele queria dizer – na noite.
Mas disse – na vida.
Isto demonstra a loucura da gentileza.
Uma das gajas aluiu de gin como uma pilha de roupa.
A outra pôs-se-me ondulante como uma medusa.
Disse-me assim a boca tónica dela:
– Se eu quisesse, comia-te.
Disse-lhe eu assim:
– Se me comeres, depois tens de me cagar.
O tipo desatou-se a rir.
Ela, nem tanto.
O bar só devia ter uma cassete, porque passado um bocado o cantor tinha voltado ao camarim.
O tipo teve de arrastar embora as duas gajas.
Eu fiquei na minha glória.
Tropecei de música (e de glória) até ao balcão, onde Gervásio, sorrindo sempre, controlava a indústria.
O relógio rarefizera a clientela.
Sobravam alguns espécimenes quarentões.
Eles, hoje, havendo sobrevivido a tanta curtição de psicadélicas peles, terão sessentas e tais.
Isso é estranho, isso é assim.
Uma das possibilidades é nunca me ter vindo embora.
Outra é recordar o regresso.
Só não posso determinar o aonde de qual regresso.
Eu acho que ando a fazer como o cantor.
Que o inverno, não importa o ano, é um camarim a que se acede por três degraus, descendo sempre.
Ao contrário do inverno, tenho a certeza do sítio: era na Figueira da Foz, a mais bela cidade do mundo.
Do meu mundo.
Já então eu anoitecia gravemente.
Uma noite, fui a um bar a cujo balcão pontificava um homem chamado Gervásio.
Passavam vídeos para dar à coisa um ambiente.
Level 42, Men without Hats, Living in a Box, filarmónicas dessas.
A minha vida suspendeu-se quando passaram The Psychedelic Furs.
Apercebi-me logo da perfeição do momento.
O cantor olhava-se, a um espelho de camarim, numa manhã de Agosto de 2006.
Eu tinha tão pouca idade, que lembrava o mesmo.
Tudo o que comecei, fi-lo cedo.
Tudo o que acabei, acabei-o mais cedo ainda.
Eu tinha uma morte no cadastro.
Levava-a comigo para todo o lado, sobretudo a sítios garantidos por homens-gervásios.
Da sala de entrada, descia-se por três degraus para um reservado.
A uma dessas mesas, um gajo e duas gajas mantinham um pequeno comércio estupefaciente.
Seriam da minha idade.
Paguei-lhes três, quatro rodadas.
Depois, mais duas, três.
Entorpeci-lhes, sem querer, o comércio.
O tipo tornou-se gentil.
Que, se eu quisesse, me não faltaria nada, nunca, na vida.
Ele queria dizer – na noite.
Mas disse – na vida.
Isto demonstra a loucura da gentileza.
Uma das gajas aluiu de gin como uma pilha de roupa.
A outra pôs-se-me ondulante como uma medusa.
Disse-me assim a boca tónica dela:
– Se eu quisesse, comia-te.
Disse-lhe eu assim:
– Se me comeres, depois tens de me cagar.
O tipo desatou-se a rir.
Ela, nem tanto.
O bar só devia ter uma cassete, porque passado um bocado o cantor tinha voltado ao camarim.
O tipo teve de arrastar embora as duas gajas.
Eu fiquei na minha glória.
Tropecei de música (e de glória) até ao balcão, onde Gervásio, sorrindo sempre, controlava a indústria.
O relógio rarefizera a clientela.
Sobravam alguns espécimenes quarentões.
Eles, hoje, havendo sobrevivido a tanta curtição de psicadélicas peles, terão sessentas e tais.
Isso é estranho, isso é assim.
Uma das possibilidades é nunca me ter vindo embora.
Outra é recordar o regresso.
Só não posso determinar o aonde de qual regresso.
Eu acho que ando a fazer como o cantor.
Que o inverno, não importa o ano, é um camarim a que se acede por três degraus, descendo sempre.
Caramulo, manhã de 30 de Agosto de 2006
6 comentários:
bonito.
Paula Sofia
É isso mesmo! Fantástico. Adorei. Começo a repetir-me um bocado demais. Mas eu sou exagerada mesmo. Em tudo.
eu também exagero o meu bocadito.
Eu sei.
Tem passagens sublimes, como de costume. Como vivem os que não exageram?
vim no trilho dos Psychadelic Furs e gostei muito do que li.
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