13/02/2020

CADERNETA PRETA - fragmentos de 33 b)


b) Sexta-feira, 20 de Dezembro de 2019


Não, não pude ir a qualquer dos acampamentos-de-férias do obscuro Mr. Billy Butlin – nem Filey, nem Skeguess, nem Clacton, nem Bognor, nem Minehead, nem Pwllhell, nem Mosney, nem Ayr. Fiquei em casa. Não estou a queixinhar-me. Oh Dolly. Oh Norah. Oh Sheila. Oh Joan.

Em 1981, Calvino cita Queneau: “A História é a ciência da infelicidade dos homens.”
Em 2019, a manhã é um apagão. À maioria, sei-o bem, repugna esta luz de papelão, esta moinha constante, este ter de libertar o interruptor para que a lâmpada faça de sol doméstico & domesticado. Eu adoro. Não preciso de Mr. Butlin.

Incluindo o mês em que perfiz dez anos de nascido, havia em Londres quem (por escrito) chamasse Henry a quem de facto era Harold, e Worthington a quem afinal se chamava Wilson. Um pouco – mas só um pouco – como tratar David por John e Cornwell por le Carré.

Isto não é Trieste, não vejo daqui o azul-adriático. Da janel’alta vejo, sim, o Bolão, os campos mais além dele abrindo peito a Montemor, Figueira, Jersey, Coventry, o Bering enfim.
Esta é a minha pobrinha ortodoxia: ser não-indo, ir sem-estar. Não, não estou a queixinhar-me – apenas respiro o ar da sala enquanto o Gato dorme.
Dezembro a 2/3, o ano vai expirando. O calendário faz-se Inverno Oficial. Começo no próximo Ano Novo o outro livro. Sei o que quero dele & com ele. Nenhuma ansiedade, pelo contrário.

Na Pensão Berlitz, na Casa Borges Porto, na Biblioteca Conde Catalazete, na Confeitaria Preciosa, na Lotarias Victor, na Papelaria Zurich, na Praça Garrett, no Orfanato Lúcia d’Avon, no Café Dédalo, na Alfândega Norte, na Retrosaria Epopeia, no Círculo Tomista, na Loja Aloysio, na Livraria Calvário, no Presbitério Sauliano, na Esquadra Central, na Churrasqueira Mondego, na Joalharia Rivoli, na minha MaterPaterCasa, na Praceta Verde Pinho, na Marisqueira Neptuno, na Garagem Velindro, no Parque Claro, na Alfaiataria York, no Quiosque Lacobrigense, na Óptica Vénus, na Ferragens Luna, na Mercearia Arcelino, no Salão Astral, na Adega Piedade, na Agência Franco, no Infantário Rosicler, no Colégio Sérgio, no Restaurante Estrel’Azul, na Carvoaria Idalécio, na Bijutaria 2000, na Albergaria Nobre, no Canil 1.º de Maio, na Barbearia S. Paulo, no Jardim Marcel, na Tipografia Pessoa, na Desportiva Albicastrense, no Forte Macedónio, na Torre Basileia, na Vidraria Tarzan, na Coudelaria Ascott, na Miudezas Pequim, no Hotel Império, no Largo Martelo, no Mijacão, no Bairro Aquilino, no Cais Juliano, na Avenida Soeiro, no Velódromo Atenas, no Magistério Filinto, na Cave Altamira, no Edifício Tavarede, na Niquelaria Argentina, na Clínica Amália, no Jacob Penhores, no Condomínio 1986, na Vivenda Diana, na Eléctrica Barata, na Doçaria Milano, na Editora Mistério, na Oficinauto Carvalhosa, na Fluvial Arcada, no Estaleiro Freitas, no Anuário Cavalinho, na Panificadora Reis, na Lanificação Zelandesa, no Talho Cândido, no Laboratório Cruz, na Aeminium Fotos, na Galeria Coimbrália, na Religiosa Lamecense, na Tabacaria Sereia, na Escadaria Conventual, no Convento Purpurino, no Pórtico Almedino, no Ginásio Duby, na Imprensa Republicana, no Estúdio Stig, no Diário Paroquial, na Farmácia Esplendorosa, na Sapataria Lorde, no Minimercado Matateu, na Tijoleira Damasceno, na Metalúrgica Platónica, no Banco Salvador, na Florista Clarissa, na Orquestra Brilhantina, na Maravilha Audiovisuais, no Estuário Fevereiro, na Mandrágora Plásticos, na Frutaria Filoxera, no Bar Rotundo, na Peixaria Saldouro, na Ópera Sevilhana, no Palacete Mayor, na Pneumónica Caramulana, no Teatro Avenida, na Queijaria Colorau, na Amorosa Eclesiástica, no Cinema Trianon, na Sanitários Triunfo
– respondi, quando me perguntaram onde procuro a palavra-justa. – E alhures também – esclareci ainda.

Terminei a primeira leitura de Retrato do Artista Quando Jovem na madrugada de 2.ª-feira, 28 de Março de 1994. A segunda, esta noite mesma, 6.ª-feira, 20 de Dezembro de 2019.
O meu Pai morreu um mês menos quatro dias depois dessa primeira leitura. Arderam, entre as duas viagens ao jovem Stephen Dedalus, 25 anos + 9 meses menos oito dias. A existência como somatório de coisas assim. Mas: E a vida – como quê?

Já fez vinte & oito anos + dois meses + 19 dias: a 1 de Outubro de 1981 (uma quinta-feira), em Trancoso, numa loja diametralmente oposta à Barbearia S. Paulo, compro, a 50 escudos o exemplar, livros de Somerset Maugham. De casa, trouxe os dois volumes do Trabalho Poético de Carlos de Oliveira. Comecei a fumar há dias. Num café da vila, tomo a bica e compro dois maços: um Porto e um Ritz. Assim foi que me iludi homem.

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Canzoada Assaltante