b) Sexta-feira, 20 de Dezembro de 2019
Não, não pude ir a qualquer dos
acampamentos-de-férias do obscuro Mr. Billy Butlin – nem Filey, nem Skeguess,
nem Clacton, nem Bognor, nem Minehead, nem Pwllhell, nem Mosney, nem Ayr.
Fiquei em casa. Não estou a queixinhar-me. Oh Dolly. Oh Norah. Oh Sheila. Oh
Joan.
Em 1981, Calvino cita Queneau: “A História é a ciência da infelicidade dos
homens.”
Em 2019, a manhã é um apagão. À
maioria, sei-o bem, repugna esta luz de papelão, esta moinha constante, este
ter de libertar o interruptor para que a lâmpada faça de sol doméstico &
domesticado. Eu adoro. Não preciso de Mr. Butlin.
Incluindo o mês em que perfiz dez
anos de nascido, havia em Londres quem (por escrito) chamasse Henry a quem de facto era Harold, e Worthington a quem afinal se chamava Wilson. Um pouco – mas só um pouco – como tratar David por John e Cornwell por le Carré.
Isto não é Trieste, não vejo daqui
o azul-adriático. Da janel’alta vejo, sim, o Bolão, os campos mais além dele
abrindo peito a Montemor, Figueira, Jersey, Coventry, o Bering enfim.
Esta é a minha pobrinha ortodoxia:
ser não-indo, ir sem-estar. Não, não estou a queixinhar-me – apenas respiro o
ar da sala enquanto o Gato dorme.
Dezembro a 2/3, o ano vai
expirando. O calendário faz-se Inverno Oficial. Começo no próximo Ano Novo o outro livro. Sei o que quero dele &
com ele. Nenhuma ansiedade, pelo contrário.
Na
Pensão Berlitz, na Casa Borges Porto, na Biblioteca Conde Catalazete, na
Confeitaria Preciosa, na Lotarias Victor, na Papelaria Zurich, na Praça
Garrett, no Orfanato Lúcia d’Avon, no Café Dédalo, na Alfândega Norte, na
Retrosaria Epopeia, no Círculo Tomista, na Loja Aloysio, na Livraria Calvário,
no Presbitério Sauliano, na Esquadra Central, na Churrasqueira Mondego, na
Joalharia Rivoli, na minha MaterPaterCasa, na Praceta Verde Pinho, na
Marisqueira Neptuno, na Garagem Velindro, no Parque Claro, na Alfaiataria York,
no Quiosque Lacobrigense, na Óptica Vénus, na Ferragens Luna, na Mercearia Arcelino,
no Salão Astral, na Adega Piedade, na Agência Franco, no Infantário Rosicler,
no Colégio Sérgio, no Restaurante Estrel’Azul, na Carvoaria Idalécio, na
Bijutaria 2000, na Albergaria Nobre, no Canil 1.º de Maio, na Barbearia S.
Paulo, no Jardim Marcel, na Tipografia Pessoa, na Desportiva Albicastrense, no
Forte Macedónio, na Torre Basileia, na Vidraria Tarzan, na Coudelaria Ascott,
na Miudezas Pequim, no Hotel Império, no Largo Martelo, no Mijacão, no Bairro
Aquilino, no Cais Juliano, na Avenida Soeiro, no Velódromo Atenas, no
Magistério Filinto, na Cave Altamira, no Edifício Tavarede, na Niquelaria
Argentina, na Clínica Amália, no Jacob Penhores, no Condomínio 1986, na Vivenda
Diana, na Eléctrica Barata, na Doçaria Milano, na Editora Mistério, na
Oficinauto Carvalhosa, na Fluvial Arcada, no Estaleiro Freitas, no Anuário
Cavalinho, na Panificadora Reis, na Lanificação Zelandesa, no Talho Cândido, no
Laboratório Cruz, na Aeminium Fotos, na Galeria Coimbrália, na Religiosa
Lamecense, na Tabacaria Sereia, na Escadaria Conventual, no Convento Purpurino,
no Pórtico Almedino, no Ginásio Duby, na Imprensa Republicana, no Estúdio Stig,
no Diário Paroquial, na Farmácia Esplendorosa, na Sapataria Lorde, no
Minimercado Matateu, na Tijoleira Damasceno, na Metalúrgica Platónica, no Banco
Salvador, na Florista Clarissa, na Orquestra Brilhantina, na Maravilha
Audiovisuais, no Estuário Fevereiro, na Mandrágora Plásticos, na Frutaria
Filoxera, no Bar Rotundo, na Peixaria Saldouro, na Ópera Sevilhana, no Palacete
Mayor, na Pneumónica Caramulana, no Teatro Avenida, na Queijaria Colorau, na
Amorosa Eclesiástica, no Cinema Trianon, na Sanitários Triunfo
– respondi, quando me perguntaram
onde procuro a palavra-justa. – E alhures
também – esclareci ainda.
Terminei a primeira leitura de Retrato do Artista Quando Jovem na
madrugada de 2.ª-feira, 28 de Março de 1994. A segunda, esta noite mesma,
6.ª-feira, 20 de Dezembro de 2019.
O meu Pai morreu um mês menos
quatro dias depois dessa primeira leitura. Arderam, entre as duas viagens ao
jovem Stephen Dedalus, 25 anos + 9 meses menos oito dias. A existência como
somatório de coisas assim. Mas: E a vida – como quê?
Já fez vinte & oito anos + dois
meses + 19 dias: a 1 de Outubro de 1981 (uma quinta-feira), em Trancoso, numa loja
diametralmente oposta à Barbearia S. Paulo, compro, a 50 escudos o exemplar,
livros de Somerset Maugham. De casa, trouxe os dois volumes do Trabalho Poético de Carlos de Oliveira. Comecei
a fumar há dias. Num café da vila, tomo a bica e compro dois maços: um Porto e um Ritz. Assim foi que me iludi homem.
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