Especulação do
faminto
A
informação em excesso torna-se, por contraponto de saturação, desinformação. Tal
verborreia sem stop é uma massa
tóxica que envenena o espírito crítico do maralhal. O mais certo é que seja
mesmo para isso: para acarneirar com força o pessoal. O recente fim-de-semana
de 17 & 18 do corrente confirmou-no-lo sem apelo & com agravo. Na noite
que mediou sábado & domingo, fingi sonhar que os papéis protagonistas
tinham sido enganosamente atribuídos. Isto é: que, na verdade, Bruno de
Carvalho vencia por quase unanimidade o congresso do Partido Social Democrata e
que Rui Rio entregava de mão-bandejada a Marques Mendes a secção de basquetebol
do Sporting Clube de Portugal. No entanto, a segunda-feira ulterior contrariou-me
a ficção, como é aliás timbre de todas as segundas-feiras da vida.
Sobrevivi
a essa afinal ténue decepção: na terça-feira imediata, já a autoridade do
esquecimento exercia sobre mim e sobre o nosso País a veleidade da indiferença.
Na véspera, eu fôra a uma repartição pública. Enquanto esperava vez, lapijei no
bloco-notas: “Antigamente, a ignorância
era envergonhada. Hoje, é atrevida, é insolente – e, portanto, mais
insuportavelmente imperdoável. Não me refiro ao analfabetismo livresco. Refiro-me,
sim, à arrogância voluntária do tipo não-sei-nem-quero-saber-e-tenho-raiva-a-quem-sabe. Sou invariavelmente intolerante ante tal
bruteza feroz – sobretudo quando tal espécie de gente se alcandora a postos de
mando & comando públicos (os privados não me interessam, neste caso) para
os quais não revela pertinente mérito, nem reconhecida aptidão, nem particular
competência.”
Uma
hora depois, satisfeita a necessidade burocrática que me levara a tal
repartição do Estado, mudei de sede. Anotei então: “É em pacata mudez que me dou a estas considerações no curso da bela
manhã de Inverno. Ante a minha posição sedentária, nesta praceta livre como o
ar mesmo que a vivifica, o choupo sobe principescamente a frescura da hora,
encavalitados nele quatro pardais o mais vivazes, o mais furiosamente felizes –
conjunto (ou conjunção) flora-animal que me é de refrigerante consolação
estética.”
Até
aqui, enfim, tudo bem – o problema residia na minha hesitação. Sim, eu hesitava:
por que linha seguir cronicamente? Pardais? Repartição? Choupo? Jornalixo? Bruno? Rio?
Eu-próprio-outra-vez? Valeu-me dispor de mais notas a lápis. Uma delas
trocadilhava sobre o “papel papal” de
Francisco, pontífice-sumo que muito me admira não ter sido ainda envenenado
pela padralhada pedófilo-banqueira-ultramontana-PioXII(naz)ista. Outra nota soluçava,
em verso adiado sine die, a “identidade permanente do coração – que se
chama volubilidade.” Outra,
ainda, marcava passo à passagem de uma gaja mesmo muito boa – assim: “Ao sol tíbio, vejo passando uma mulher
segura de si, a cabeleira dela, tornada fulva pela refracção da luz, chispando
dardos de oiro, o peito dela duplicando o milagre do leite adiado.”
Todavia,
restava por fazer a crónica. Eu sabia que me era tão-só necessário evitar essa
víscera chamada coração, ir pelo
racional, seguir pelo lógico, fugir pelo concreto – mas o problema era a fusão
toda nuclear PSD/SCP, que continuava, afinal, a zunir-me nos pavilhões
auditivos. Outro problema: a formosa manhã invernal dera-se entretanto a
pluvial, pois que, quase de repente, e fundida com o ar, a morrinha viera
tornar respirável a água de São Pedro. Nisto, era já hora-de-almoço – e eu
esquecera-me de trabalhar para merecer a sandes. Comparei a escandalosa
evidência famélica do meu presente à fartura gordurosa do passado – e vi logo
as diferenças, como na página de entretenimento dos jornais. Felizmente, não me
deu para a melancolia. Deu-me, isso sim, para especular sobre a obscura razão
pela qual o Rui Rio não pôs ao Santana os patins da secção de hóquei do
glorioso Sporting. E também sobre que raio irá agora fazer Bruno de Carvalho da
senhora Elina Fraga.
Sem comentários:
Enviar um comentário