Efeméride com
recado
1 Foi há quarenta
anos. A 5 de Novembro de 1977, vi publicado, pela vez primeira na vida, um
texto meu. E logo no suplemento literário infanto-juvenil de um jornal de
âmbito nacional. Eu tinha treze anos – e o senhor meu Pai era comprador e
leitor quotidiano de dois diários nacionais, nesses anos em que o 25 de Abril
ainda era uma data relevante. Era também a época de leitura & análise integral
de obras portuguesas logo nos 7.º e 8.º anos de escolaridade. Fui abençoado por
duas delas: Esteiros, de Soeiro
Pereira Gomes, e Seara de Vento, de
Manuel da Fonseca. Notareis facilmente certos resquícios neo-realistas no tal
meu primeiro texto em letra-de-imprensa. O título é algo Vivaldiano, mas não vos equivoqueis: a coisa era mesmo de ter lido e amado o meu Soeiro e o meu Fonseca.
Eis, pois, o dito:
2 AS
QUATRO ESTAÇÕES
Quando chegou a
Primavera / transbordou vida nos campos e nos / olhos dos homens. Houve até
quem / dormisse por entre madressilvas / congeminando formas de melhorar / a
vida. //
E no Verão, quando
o sol ardente / lambeu os corpos e tornou mais / difícil o trabalho aos
aldeões, os miúdos / assaltaram o rio, buscando / na frescura das águas
aventura e / desporto.
Chegou o Outono. As
folhas das árvores caem como / lágrimas que largam o que foi / a sua companhia.
E a poesia dos homens / morre com o enterrar das enxadas / na terra de sempre.
//
Mas cai o Inverno,
e não transborda agora / vida nos olhos dos homens, nem os garotos / procuram
aventura. A chuva / encharca a terra e alaga a alma / aos homens. Afoga-se na
taberna / o desejo de progresso. / Terras de sempre. //
3 Pessoal, atenção
& cuidado: esta evocação nada tem de auto-adoração. Nada disso. Tem outro
intuito. E o outro intuito é este: mandar recado a um dos 21 presidentes de
câmara eleitos no 1.º de Outubro recente. Recado: Senhor Presidente, não acho
que o senhor saiba quem foram Soeiro Pereira Gomes e Manuel da Fonseca. Senhor
Presidente, acho que V.ª Excelência nem lê as minhas crónicas neste Jornal
(embora eu tenha a certeza de que a seus augustos pavilhões auditivos são
sopradas as partes-gagas das ditas crónicas a seu respeito.) Ainda assim,
Senhor Presidente, há duas outras obras cuja leitura talvez melhorasse o que o
senhor (des)faz à & da sua terra. Essas obras são: Dinossauro Excelentíssimo, do português José Cardoso Pires, e O Outono do Patriarca, do colombiano
Gabriel García Márquez.
Se
não tiver pachorra para lê-las de fio a pavio (até porque nenhuma delas tem bonecos), vá o Senhor Presidente ao Google à cata de resumos fáceis dessas
magníficas narrativas. Ou então, em generosa contraproposta minha, não ligue
nada nem a mim nem a livros. Aproveite antes o tempo do seu mandato para fazer
com que o território a seu (in)feliz (co)mando se não torne, sabe o Senhor em
quê? “na terra de sempre”.
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