Tenha mas é
vergonha, senhor ministro do Tejo
Três
cavalheiros bem apessoados, não moços já, passeiam lentos à face do rio local,
lamentando deste, em coro grego, a poluição gravíssima. Dá todavia um deles não
contrariado sinal de optimismo. Diz ele que “há
quem se ande a mexer – e a mexer-se bem – para que esta infame lástima seja
remediada”. “Oxalá!” – considero eu para comigo, que, os não conhecendo,
lhes não falo.
Lá
vai já o trio, sigo eu em rumo inverno/inverso. Aporto entretanto ao lado
poente do quadrilátero da praça. É galeria de arcadas a que se acolhem três
estabelecimentos de Café. O meu é o do meio. Acampo nele a ferrugem óssea.
D’além, a Sé exala uma largueza fria de calhau grande. A noite é a realidade
mais imediata, a mais terminada: & a mais terminante. A meu bel-prazer,
isto é tudo descampado deserto. (Falo em concreto da praça, não em geral da
vida – mas.) Mesmerizada pelo televisor, a moçoila balconista, de um acne de
joalharias, nem pestaneja. Fico cá fora, claro – para fumar & para ser o
arquetípico poeta de província ante o cão magro (aquel’além) que fareja a pomba
que a estas desoras já não há: lá vai ele, cão de si, sem deus nem amo.
Tipo
gambiarra natalícia, luzipupilam-me a mente ideias-pirilampos. Uma é aquilo do
Tejo conspurcado por gananciosos pecuário-celulósicos até hoje impunes em barra
tribunalícia. Outra – ter relido hoje Daniel Filipe, o ilustríssimo Daniel
Filipe, o maravilhoso Daniel Filipe absolut’absurdamente desconhecido de/por
este país-zé-pereira-de-arraial que nem à própria mãe reconheceria sobre passerelle de cabras. Outr’ainda – o
supino prazer que senti à flagrante leitura da crónica de Fernando Paulouro
Neves com data de 9/2/17 deste Jornal, aquela em que ele, como eu, quer mas é
que deixem sossegado, em seu dinâmico panteão gastronómico-detectivesco, Don Manuel Pepe Vásquez Carvalho
Montalbán. Mais uma: a recordação pueril de um café-beberagem-sítio tomado, em
incerta manhã pluvialíssima, no Royal da santarena Rua Capelo e Ivens.
Desenvolvo:
Era no Royal Café
da santarena Rua Capelo e Ivens, era em Santarém. Chovia, por então, de
desalmar o coração. Ia eu de moedas contadas nessa sexta-feira tipográfica.
Adentrei o santuário quási exíguo, pedi café-café, de que fui servido por
correctíssima matrona. Não é prado de fumadores, aquele posto. Aguentei-me.
Para não sofrer tanto o desmame de nicotina, pus-me a pensar: no Tejo
cancerigenado à força; ao mesmo tempo, no Daniel Filipe da Pátria, Lugar de Exílio – e isto tudo à mesma luzinha-de-gambiarra
no estar fora-de-casa à mercê de uma chuva alheia. Também pensei no abandono
ferroviário da Capital do Ribatejo. E no que disse outro Daniel (Matias, este),
leitor facebookiano do meu Jornal: “Há cidades do interior [em
situação] muito melhor do
que esta aldeia grande a 70 km de Lisboa.” E, analógica lampadinha de
gambiarra, pensei também, vendo o tanto que chovia à porta do Royal, no que
comentou Fernando Prazeres, também ele leitor & também ele pelo Facebook/O Ribatejo: “A porcaria de dormitório que é a nossa
cidade. Nada fazem. Estagnou no tempo. Chego a ter vergonha.”
Palavras
fortes. Tão mais fortes quão mais justas, valha a verdade. Num estremeção, o
pensamento-gambiarra vê-se-me projectado ao número seguinte do Jornal. Desta
monta (ou volta; ou mote), Fernando Paulouro Neves surge obituário: morreu
Tzvetan Todorov, um senhor que era búlgaro q.b. para só poder ser (re)conhecido
em Paris pelos estrutur’existencialistas do costume.
Já
não sei em que Café estou – se no das arcadas expostas à frialdade irremediável
da queiroziana (e amara) Sé, se no Royal da terra de Bernardo Santareno, que
decerto leu Daniel Filipe, que decerto aplaudiu Bernardo Santareno.
O
Rio é & será, enfim, o mesmo. Só aliás haverá um rio: a montante, o do
nascimento; a jusante, aquele que sabemos. Quereis ver? Vêde:
Três cavalheiros
bem apessoados
etc.: Montalbán, Todorov, Daniel Filipe.
Ou
três cães sem amo, que afinal conheço e a quem falo.
Nisto,
mesmo a desoras, passa a pomba.
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