Pilhéria com pilhas
au cognac
Na
semana passada, dei-vos conta de (in)certa viagem minha para breve. Esta
semana, digo-vos que parte desse périplo está cumprida já. Não interessa por
ora aonde fui fazer o quê. Não é por rebuço de mistério que fecho isso em copas
– é porque (ainda) não vem ao caso. Ao caso, todavia, vem o ganho com que fui
remunerado. Digo: os ganhos, que vário me foi o lucro pessoal na & da
jornada. Mostro exemplos.
Fui
e vim de expresso rodoviário. Anoto: achei-me bem servido. Horário escrupulosamente
cumprido. Segurança, conforto, placidez, despacho. Um senãozito apenas: à ida, tive por vizinhança de assento um papagaio
ginecológico com quase tantos aniversários quantas camadas de tinta na tromba
engelhada. Quase não largou o telemóvel a viagem toda. Ao filho divorciado,
para inquirir se o pobre tem ou não tem visto os filhos que co-fez com a
inominável outra que o trocou por um
dentista do Sabugal. À filha, professora num paul de Portalegre, a demandar se
sempre vai com a mamã ao espectáculo do papa Francisco (sessão dupla em Maio
numa cova-da-iria perto de si). À amiga Madalena para lhe contar tudo-tudinho
do que filho & filha lhe mentiram.
Estive
perto – ou antes, não andou ela longe – do estrangulamento, radical remédio a
que não dei deferimento por ter alergia micótica a pescoços de galinha velha e
por não estar para me chatear depois com o motorista, que era um gordo feliz
& sabedor das letras todas das canções todas com que a Rádio Renascença
unge o desmiolado rebanho de Deus que é o meu. Lá chegámos, enfim.
Vieram
buscar-me ao ponto combinado. Recebi logo demasias de lorde. Deram-me café
& conhaque, tabaco acabadinho de amortalhar, uma fotografia emoldurada do
senhor presidente da Câmara a rir-se muito por ter na mão direita um saco cheio
de pilhas para o pilhão & na mão esquerda um vereador de barbas
oitocentistas também muito feliz por causa das pilhas e das barbas e de estar
na mão do senhor presidente da Câmara, uma caneta de tinta mais permanente do
que as tretas que escrevo, um CD autografado pelo Tony Carreira com espaço em
branco para eu lá fingir o meu nome com a caneta nova, deram-me mais conhaque a
pretexto da filosofia maravilhosa que é a de um-dia-não-são-dias, levaram-me ao W Shopping para eu fazer um
poema de fazer lacrimejar os calhaus da calçada sobre a pedinte de serviço à
porta, fiz o poema e fui muito aplaudido pelos analfabetos do tipo isto-é-um-país-de-poetas, levaram-me aos
ombros até um tasco maravilhoso que fez da feijoada de caracoleta uma religião
do palato e cujo vinho-da-casa assentava no porão como um colchão de veludo,
por estar a chover ficámos deliciosamente sitiados no dito tasco, cujo
conhaque-da-casa era servido a biberão aquecido, deram-me conselhos sobre como resguardar
o meu desta comédia toda da Caixa
Geral de Depósitos, aproveitei para mandar umas bocas impenitentes & impertinentes sobre a mansidão acrítica do
vulgo cada vez que há autárquicas, coisa que não foi bem recebida porque o
vulgo às vezes percebe que é corno-manso mas não gosta que lho digam nas ventas,
valendo-me a intempestiva chegada, a recolher-se da chuva, da senhora que tem
uma filha professora em Portalegre ou no Sabugal ou em Fátima, na altura não
fui capaz de precisar e agora também ainda não.
Trouxeram-me
em carrinho-de-mão de volta à Rodoviária, descalçaram-me de botas porque o
inchaço das patas me dava ânsias de morrer sem ter feito mais filhos, nem
escrito mais livros, nem urinado em mais árvores, à cautela marcaram-me nova
viagem para quando o pus do fígado desse sinais de conformidade com os níveis
impostos pela União Europeia, semearam-me no bolso da jaqueta uma de vinte para
o táxi entre a gare & a mulher, pediram-me que voltasse para a semana por
ser certo que o W Shopping muda de pedinte à porta, havendo pois que fazer versos
novos em celebração de tal aparato. Aquiesci, claro que aquiesci.
Se
por ora mais não conto, é por me faltarem as pilhas, ao contrário dos barbudos
felizes para quem isto da responsabilidade é tudo uma letra vã como a das canções
da Rádio Renascença.
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