De arte bela (ou
Duarte Belo)
Quando
lhe apetece, a vida terrena (que outra não há, haverá?) ainda é o melhor sítio
onde se pode estar. Às 15h17m da terça-feira, tal evidência abraça-me como um
soldado de regresso à metrópole sem ferimentos coloniais.
Fisicamente
longe embora eu, um livro ilustrado ribatejana-me o instante solar. (Dir-vos-ei
futuramente, com mais fôlego e mais demora, outras graças virtuosas de tal
obra, que se chama Portugal / O Sabor da
Terra – Um Retrato Histórico e Geográfico por Regiões e é de tríplice
autoria: do historiador José Mattoso, da geógrafa Suzanne Daveau – viúva do
grande geógrafo português Orlando Ribeiro – e do fotógrafo/arquitecto Duarte
Belo.)
Assim
é pois que desfilam, ante o meu nariz fumador & metediço & mui dado a mostardas,
formosíssimos postais completamente portugueses de Arriba-Tejo que o olhar do
tal Duarte Belo gerou: as construções paliçadas do Patacão (Alpiarça); Vale de
Cavalos (Chamusca) com sua cheia de 12 de Janeiro de 1996; a majestade
filosófica do Palácio dos duques do Cadaval (em Muge, Salvaterra de Magos); a
solidão talvez feliz de Nossa Senhora de Alcamé, na lezíria de Vila Franca de
Xira; a torrejana antiguidade romana da Villa Cardílio; o sal geométrico da
riomaiorense Fonte da Bica; São Ruy Belo da Ribeira, perdão!, São João da dita,
na perpétua & castreja infância do Poeta que demasiado cedo se despediu da terra da alegria, Rio
Maior também; do grande Alexandre Herculano, Vale de Lobos (Azóia de Baixo); a
renda cimalha eternamente feminina & petreamente perfeita do tomarense
Convento de Cristo; e, para já como para sempre, esse Poema mineral sem par no
mundo chamado Castelo de Almourol, que Gualdim Pais, edificador militar da
memória, por assim dizer escreveu.
Como
a tarde que a ela preside, esta crónica (de)corre bem. A pele é grata à luz
morna, esta luz fixada ao chão pela estacaria do arvoredo. Levíssima brisa
despenteia & repenteia a flora chã: chã como a vida terrena, terrena como a
vida chã. (Eu sei que onde escrevo não é Ribatejo – mas é, de tão doce, como se
fosse.)
Um
momento, por favor: telefonam-me. Atendo.
– Daniel?
– Viva! Com quem
falo?
– Falas sozinho
como o doidinho…
Desligo.
Não
concordo: há 450 semanas, contando com esta, que não é solilóquio o que nesta
página hebdomadária me acontece. É muita semana. Quási-quase nove anos. Há
vinte, no remo(r)to Outono de 1996, estive em trabalho de repórter na Vossa
(mas minha também) Scalabis de tão bom arejo. Entrevistei na ocasião um primo
do gigante Bernardo Santareno. (Nota curiosa só para Vós todos/as: a minha
coluna chama-se Rosário Breve porque
Bernardo era António & porque Santareno era Martinho do… Rosário.) Isso
passou, como tudo passa, a começar e a acabar pela vida mesma.
O
que não passa – é este inesperado amor meu à Casa & à Causa ribatejanas.
Não as do folclore marialva, atenção! Não as da suposta festa dita brava, atenção!
Sim as das pessoas civicamente oxigenadas com que me tem sido dado o subido
privilégio de t(r)ocar dois dedos de testa & quatro de conversa. Sim as
daquele dia em que fui com o por estes dias aniversariante Zé Freitas, esse
grande (em todos os aspectos, até no calçado) fotógrafo de aves (raras) &
febril activista da jihad Sportinguista,
a comer o fino sável frigido & enxuto, a serpentina enguia, a nobre posta
de carnação vermelha.
Dão
ora as dezasseis horas mais dois minutos. (Quem dará a hora? Quem no-la tirará? Não sei. Não sei. Sei tão-só que a
recebo. Que ribaterrenajanamente a recebo – e a agradeço.)
O
telefone, outra vez. Antes de atender, pergunto-me em voz alta (sois Vós os
ouvidos) se será Gualdim Santareno ou Bernardo, o do Rosário, Pais.
Ou
se, com alguma boa-sorte, é Duarte, segundo-filho de São João da Ribeira,
perdão!, de São Ruy Belo da dita.