R-existir sempre, d-existir nunca
Dezembro.
Antigamente,
era dourado, rescendia a musgo fresco – e ninguém nosso havia morrido. As
manhãs alvoreciam como tratados hialúrgicos. O fascismo era mais em Lisboa. A
minha Aldeia, que o crescimento industrial volvera bairro operário, trabalhava
o existir com a naturalidade do rio – o rio que é & passa & descobre o
mar. Os animais eram livres como o vento, andavam soltos pelas ruas sem chips que nem havia.
Crescer
para sempre era coisa que não passava pela cabeça a ninguém. Os adultos já
tinham nascido grandes, as avós eram velhas desde meninas – e nós, enfim, não
tínhamos fim.
Com
a alva iluminada por um tal Salgueiro Maia, pôs-se-nos a todos, assim de
repente, um problema – e o problema chamava-se Liberdade. Era coisa que nunca nos tinha faltado. Ficámos apreensivos.
Era então preciso empunhar armas a sério para que todos tivessem paz? E que
como os cães da rua fôssemos livres a sério & à desfilada? Era.
Noutro
repente, trocaram-nos os calções de pano por um fato estranho – a História. A
televisão parecia a cores. Um soldado fardado a preceito não era já pretexto
para foguetes de euforia regressada da remo(r)ta guerra – mas sim natural como
o choupo de sentinela à ponte velha do Campo.
Houve
milagres profanos: por exemplo, o senhor meu Pai rejuvenesceu como um pêssego
de volta ao pessegueiro; por exemplo, a senhora minha Mãe parecia capaz de ter
mais sete filhos pelas mãos.
As
paredes passaram a amanhecer pintadas de palavras que eram vozes altas. Não era
Dezembro – era Abril para sempre. Era. Era para ser. Era para ter sido.
Dou
por mim a receber Dezembro de esquisito modo: que faz aqui a lembrança de um
Abril que, rio, foi, passou & se perdeu num mar estrangeiro? Julgo que é
consequência de me pôr a escreviver às sete da manhã num terceiro-andar-gaiola
sem vista para o Campo da minha terra.
Todavia,
é novo o dia. Dezembro começou ontem – e hoje, hoje vou de viagem às bandas do
meu Natal pessoal. Tenho lá que fazer. Anotarei o que por lá houver de casas
novas & de descalabros antigos. Não conto ir de braços caídos nem de cabeça
murcha. Por assim dizer, faço que sou como o Almonda que o cidadão Mário Costa
tanto e tão bem guarda: r-existo.
Pensar
que sim acabou fazendo-me bem. Apetece-me mais café feito de fresco, já a
mulher pela casa ciranda de primeiros afazeres.
Se
ela & eu voltarmos a ter casa térrea com quintal, a primeira coisa é
fazermos um rafeiro. Se sair cão, chamamos-lhe Dezembro.
Se
vier cadela, há-de ser Abril.
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