Certidão de
renascimento
Portugal é o nome da terra em que, a poder nascer-se de
propósito, eu nasceria sempre e para sempre.
À beira do meu primeiro meio século de nascido, tenho por
firmes tal opinião fetal e tal axioma amniótico. Não é por vão “patrioteirismo” à la Portas que vo-lo afirmo.
É porque só neste País a bruma, subindo do chão à primeira
fímbria óptica da alva, faz do musgo, como em alhures algum, o espontâneo leito
fofo do presépio natural. Dissipada ela, ela bruma, a luz põe-se toda a
esmaltar, como em nenhum outro rincão mundial, os fundos pinhais de um verniz
matizado de manteiga de ouro, que o vento reitera oceanicamente.
Mais digo que: também é por causa das mulheres absoluta,
absurda e completamente Portuguesas. Algumas delas, com o desengonço içado e
altamente elegante das girafas, escalam o escadote do próprio corpo encimado de
um olhar húmido de água-ágata. Outras, meãs como empadas de açúcar, fazem
reviver ao observador a ternura primeva das Mães lusitanas, essas magistrais
economistas da escassez que nenhum Nobel contempla mas que todo o filho tenta
repetir na esposa.
Os homens Portugueses são também, por outras tantas razões
quantas as que perfazem o número deles todos um por um, outro motivo forte pelo
qual, a ser-me possível escolher em que cor do mapa-múndi conhecer a primeira
(e a derradeira) luz, isto só poderia dar-me Portugal. Mesmo os moralmente
pequeninos, velhacos e bailarinos. Mesmo os que, imbuídos de um imponderável e
improvável poder local tão mal exercido, maniganciam corrupçõezitas de
mercearia num el-dorado de fancaria
enodoado de quinquilharia.
Sim, definitivamente sim: Portugal é o único alfobre onde
se pode nascer com alguma decência de alma, lavado o corpo e macerada a roupa
través abluções a sabão azul-e-branco como só aqui se fabrica. Mesmo
descontando esse elfo chamado Rui Machete. Mesmo engordando à perpetuidade esse
lípido chamado Mário Soares. Mesmo só com dois cachorros, ou quatro gatos, por
apartamento que se deva ao banco.
Da razão final pela qual me devo a reiteração
incontornável de só me querer (e poder) nas-ser
Português, terminalmente vo-la adjudico mercê de uma “sacanice”, digo, citação.
Recorro a João de Deus, esse límpido Poeta nosso que, certa ocasião, celebrando
de um amigo o aniversário, lhe rimou esta formosa graça:
Dia de anos
Com que então caiu
na asneira
De fazer na
quinta-feira
Vinte e seis anos!
Que tolo!
Ainda se os
desfizesse…
Mas fazê-los não
parece
De quem tem muito
miolo!
Não sei quem foi que
me disse
Que fez a mesma
tolice
Aqui o ano passado…
Agora, o que vem,
aposto,
Como lhe tomou o
gosto,
Que faz o mesmo.
Coitado!
Não faça tal, porque
os anos
Que nos trazem?
Desenganos
Que fazem a gente
velho.
Faça outra coisa,
que, em suma,
Não fazer coisa
nenhuma
Também lhe não
aconselho.
Mas anos… Não caia
nessa!
Olhe que a gente
começa
Às vezes por
brincadeira,
Mas depois se se
habitua,
Já não tem vontade
sua,
E fá-los queira ou
não queira!
Onde o/a meu/minha Leitor/a lê, no poema, “Vinte e seis anos”, leia, por favor,
28. São quantos perfaz o aniversariante (e nosso) O RIBATEJO. Todas as terças, para às quintas sair, me calha a
obrigação de escrever para este jornal-árvore (porque enraizado na terra), para
este jornal-vento (porque a todo o lado se leva em palavras). Há quase três
décadas que vem resistindo às intempéries e às tropelias da economia, do buraco
na estrada, dos pontuais tiranetes de pacotilha que infestam a democracia
(tanto a local como a do Terreiro do Paço). NB: mas sem jamais, até ao momento,
ter feito de galego aguadeiro de fretes. De clara matriz editorial, O RIBATEJO é plural como o mundo e único
como a Região que lhe dá o nome e o sentido existencial. Saudá-lo
aniversariantemente é, até por sinédoque, saudar o público que tem sabido
merecer. E, no meu caso, o caso é de perguntar: pois se não em Portugal, em que
outro País um qualquer jornal me aturaria a crónica? Não é?
É.
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