29/07/2011

12 por 7: um soneto (Leiria, noite de quarta-feira, 27 de Julho de 2011)

Quando ao porvir anteponho as passadas vidas
que vivi já e já passei,
nem sei que diga, eu nem sei
quão negras são as rosas rubras fenecidas.

Do ido, olvido não faço, que o não quero:
esquecer, é ser-s' apenas quem
de pai não veio nem de mãe.
E eu vim e vou. Eu vim e vou. Por isso, espero

do amanhã coisa qualquer que a vida tenha
e manter queira no viver.
E seja o que tiver de ser:

que indo estou, vindo que sou, como hei-d' ir.
Tal tudo vem, tal tudo vai: tal mãe, tal pai.
Se vou? Se vim? Rosa. Jardim.

28/07/2011

Rosário Breve nº 217 - in O Ribatejo - www.oribatejo.pt - 28 de Julho de 2011




De Guimarães a Luanda


Como cogumelos ou caracóis depois da chuva, proliferam por tudo quanto é sítio deste País certas e indeterminadas agências que se propõem comprar-nos ouro, prata (mesmo partida) e outros bens aceitáveis a penhor. São já quase mais do que aqueles “bispos” brasileiros que puseram Cristo a falar como o Zé Carioca e que, a troco do dízimo, nos garantem o milagre da saúde financeira, espiritual, familiar e matrimonial, para além da quebra dos quebrantos, da Sónia, da insónia, das invejas e dos maus-olhados vesgos que alegadamente nos fazem tropeçar no rançoso azeite da má-sorte. Para os penhoristas compradores de ouro e para estes curandeiros bíblicos não há nunca “casos impossíveis” – dizem eles.
Entretanto, o barco do País prossegue a bom ritmo e mau vento para o vórtice do naufrágio. Muito a norte, prossegue a comédia caríssima da Fundação Cidade de Guimarães Capital de Não Sei Quê, tendo e mantendo à cabeça a protocolar e inelutável banalidade de Jorge Sampaio. Cá mais para baixo, parece haver regozijo ante a iminente penetração no nosso “mercado” financeiro de “capitais angolanos”. Quero dizer uma coisa acerca destes famigerados e hediondos “capitais angolanos”. Para mim e para muita muito boa gente, “capitais angolanos” rimam com “carne e sangue e ossos humanos”: a carne, o sangue e os ossos de um povo infeliz e ingénuo que, depois de séculos de um colonialismo bacoco (aquele que lhe impusemos em nome de Deus e da Cerveja Cuca) e depois de décadas de uma brutalíssima guerra civil fratricida, se vê vergado pelo nepotismo de uma corrupção tão familiar quão vitalícia. Nem menos. Razão tinha o Bob Geldof quando apontou Angola como um dos países mais corruptos do mundo.
Aqui por onde moro, porém, tudo está bem. Os cafés vendem quatro bicas por dia, os bancos emprestam cinco euros se lhes pagarmos o triplo depois de amanhã, as farmácias decuplicaram o fornecimento de supositórios, o jardim público acolhe mais e mais desempregados contempladores do crescimento das flores e dos arabescos voláteis da passarada (coisa que muito incomoda os pederastas, os toxicodependentes e demais afins utentes), o ex-governador civil toca acordeão-esmola à porta da Caixa Geral de Depósitos, os ucranianos riem-se cada vez que nos olham e os chineses, como sempre, não percebem nem querem perceber nada do que se passa.
O que se passa – é que disto não se passa.

21/07/2011

Rosário Breve n.º 216 - in O RIBATEJO de 21 de Julho de 2011 - www.oribatejo.pt




Santa(na)rém

Tive um sonho acordado com o seu quê de perturbador. Alapado como um molusco à rocha da tarde (por uma destas tardes refrigérias que o corrente e medíocre Julho esparge de ventos frios e de céus foscos como lâmpadas de casino velho), dei por mim a receber uma revelação que não sei se reputar de apenas tonta, se de vera epifania iniciática. Esta aqui: a culpa de toda a infernália que afecta a famigerada “Zona Euro” é todinha da Câmara Municipal de Santarém. Nem mais nem menos. Com isto na cabeça, quem de vós, leitores meus muito queridos, não ficaria perturbado? Eu cá fiquei.
É do conhecimento geral, global e multinacional que, lá da terra dos cowboys, dos mórmones, dos escravos e dos séri’assassinos, por sinédoque América, descambam na Europa, via tridente das agências de “rating”, os mais vis e soezes e calculistas e córneos atentados à moeda (quase) única da alegada “união” europeia. Tudo para que o excesso de impressão e emissão da mais sanguinolenta moeda de que há memória (o dólar, p’x ’tá claro) possa continuar a financiar os procedimentos bélico-“humanitários” do zamericanos por esses afeganistões, líbias, sudões etc. De modo que quintalejos periféricos tipo a gente, a Grécia, a Irlanda e os que se seguem se vejam reduzidos a pó sob o tapete da senhora Melga e a inócuos rodapés de agenda do doutor Furão, gente que se genuflecte, às ordens como sempre de suas senhorias, ante a águia ultraconservadora dos “States”.
Mas – e então a Câmara de Santarém? Culpada da “deseuroízação” porquê? Não tive de bosquejar muito pela resposta. Porque não paga a quem deve. Pela-se toda para aparecer na televisão com um campino a tiracolo e restos de sopa da pedra na bigodeira, qual uma qualquer dessas “celebridades” instantâneas e solúveis como café de frasco que enxameiam a bigbrotheriana pantalha a todo o minuto e instante (Moita Flores naturalmente incluído, porque também ele filho da mesquinha televisibilidade patrícia). Não se trata este, porém, de fenómeno despiciendo, posto que consubstancia e consagra a extrema vacuidade da nossa cultura social: afinal, tivemos já ou não um Santana Lopes em primeiro-ministro?
Pronto, já me desperturbei. Ligando, como no título, Santarém a Santana, expliquei-me a crise. Modos que vou ali beber um copo e contar à maltosa do bilhar o génio que sou a resolver coisas.

14/07/2011

Rosário Breve nº 215 - in O Ribatejo - www.oribatejo.pt - 14 de Julho de 2011

Proust e os Tabuleiros de Tomar

Num livro intitulado A Pomba Apunhalada (todo ele dedicado à figura e à obra, geniais ambas, de Marcel Proust), o respectivo Autor, um italiano chamado Pietro Citati, escreveu:
“Não existe nada para além do nosso próprio destino, que não é mais do que o nosso carácter”.
Concordei de imediato. E mais concordei quando Citati evocou o discurso directo do incontornável e colossal criador de À La Recherche du Temps Perdu. Proust:
“Em todos os momentos da nossa vida, somos os descendentes de nós mesmos, e o atavismo que pesa sobre nós é o nosso passado, confirmado pelo hábito.”
Tudo certo, verdadeiro tudo. O (meu) problema é que, estas coisas lendo em prazenteira melancolia, me pus, literaturas à parte, a pensar (outra vez e sempre, como sempre) em Portugal.
O hábito. O atavismo. O destino. A pomba apunhalada. No nosso País, as crianças parecem nascer já octogenárias, ao passo que, na sombra corrompida e corruptora, rejuvenescidos decanos continuam urdindo o atraso, o conformismo, a acefalia, o encarneiramento, a PT, a GALP, o TGV, a Censura, a Lusofonia (esse espantalho analfa mais capaz de trepar bananeiras do que de redigir em português-de-cá uma frase limpa com sujeito, predicado e complemento), a Gastronomia Pimba e os Tabuleiros de Tomar sassaricados num alto de palanque por uma bicha doida mui pouco templária, assaz “manuelina” embora.
Estais a ver o (meu) problema: mesmo invocando Proust via Citati, não logro desembestar-me do (nosso) País. Bem mais fácil e feliz, sei-o bem, me resultaria embarcar anestesicamente nos fumos opiáceos da alienação artístico-literária. Pois: curtir umas livralhadas, fruir uns acordeonismos fadistas e lobrigar à sorrelfa, por essas praias embandeiradas de azul-ouro, as roscas de celulite das nossas linfas-ninfas divorciadas. Mas não. Por e para minha desgraça, não. Não tenho remédio: tudo se me volve analogia patrícia – e pelo lado errado do coração.
O nosso destino. O nosso carácter. O Coiso subandrógino nos Tabuleiros de Tomar. E o Tempo Perdido, sem Busca possível no improvável futuro em que, por atávico hábito e recorrente impermeabilidade ao uso de miolos, vamos continuar a apunhalar pombas e a pagar a araras de capoeira que dão-dão-dão às anquinhas plásticas no palanque de um corso que dantes, até por nabantino e popular, era bonito.

12/07/2011

ROSÁRIO DE ISABEL E DINIS seguido de OUTRAS FLORAÇÕES POR ESCRITO - 10 (fragmento 1)

10. UM HOMEM DE SUSPENSÓRIOS E QUASE 47 ANOS APRENDE PORTUGAL LENDO O JORNAL

Leiria, quarta-feira, 6 de Abril de 2011

(Fonte: edições do Correio da Manhã de 5 e 6 de Abril de 2011)

·        Na Cruz de Pau (Seixal), existe um estabelecimento chamado Café Golfinhos. Fica na Rua do Cacheu. Foi arrombado, ficou sem a máquina do tabaco.
·        Na Avenida Emídio Navarro (Coimbra), a dona do Restaurante D. Pedro desapareceu. Suspeita-se de marido e filho. Dela.
·        Carrinhas de transporte de valores sucessivamente assaltadas na Grande Lisboa pelo mesmo gajo (um tal João Filipe Varela Morena, 22 anos, ex-criado-de-mesa em café): Santa Iria da Azóia, Ramada, Santo António dos Cavaleiros, Odivelas, Cacém, Alfornelos, Olivais, Queluz, Carnide, Algés, Belém.
·        Existe no Montijo um estabelecimento chamado Papelaria Kraft. No dia 2 passado, agrediram uma cliente e a proprietária. Levaram cem euros e material exposto. Já tinha acontecido em Dezembro, mas sem porrada dessa vez, talvez por causa do Natal.
·        Em Corroios (Seixal), há uma discoteca chamada RS Dreams. De vez em quando, soam por lá disparos de revólver.
·        Há uma rua chamada Rio Tua na Quinta do Conde (Sesimbra). Há por lá uma casa onde os aniversários costumam resultar em hostilidade contra vizinhos e GNR. Estrangeiros ilegais, também há.
·        Silvares pertence ao Fundão. Rouba-se por lá combustíveis.
·        Canhoso é no concelho da Covilhã. Guardar, lá, ouro em casa é má ideia.
·        Alpedrinha ficou sem vários troncos de pinheiro.
·        Lisboa tem uma avenida chamada General Roçadas. Foi lá que uma velhota de 92 anos e o espelho de um automóvel se encontraram em movimento oponente. Sem gravidade, disse o Hospital de S. José.
·        Em Penafiel existe o Hospital Padre Américo. Recebeu jogadores do União de Paredes, vítimas ligeiras de um acidente ocorrido na madrugada de segunda-feira, 4 do corrente. O ferido grave, Daniel Silva, de 23 anos e condutor de um dos carros, foi correr perigo de vida para o Hospital de São João, no Porto. O União de Paredes milita na Série B da 3.ª Divisão. Também em Penafiel há uma rua chamada Tenente Valadim.
·        Outra vez na Quinta do Conde, outra vez Sesimbra. Assalto a uma loja de compra de ouro.
    ·       No Alentejo, entre Bencatel e Borba, andam a roubar cobre. Três postos de transformação da PT usados pelas pedreiras do senhor Joaquim Mendes Nobre (71 anos) foram gamados.

11/07/2011

ROSÁRIO DE ISABEL E DINIS seguido de OUTRAS FLORAÇÕES POR ESCRITO - 9



9. MEIOS AÉREOS

Leiria, segunda e terça-feira, 4 e 5 de Abril de 2011

A noite passada foi um turbilhão agradável: Adões e Pedrulha antes do regresso à Solum. Hoje, a brasa estival crepita na Primavera plena dos dias: segunda-feira encalmada, rija, matadora de casacos e pedinte de bonés. Um banho de ouro remunera o peão da Cidade.
 *
 E o hoje torna-se ontem – e o amanhã é agora. A nova manhã esparge-se toda, toda aurescente, zimbrada toda a sombras muito puras do lado avesso aos ponteiros do relógio.
 *
 Os olhares são meios aéreos. 

07/07/2011

Rosário Breve n.º 214 - in O RIBATEJO de 7 de Julho de 2011 - www.oribatejo.pt


Tragicomédia em III actos

Contaram-me esta, há anos já largos, como verdadeira. Partilho-a convosco porque é tão mais cómica quão, de base e de facto, trágica.
Uma portuguesíssima família da classe média foi de férias para o Algarve. Todos foram: pai & mãe, avó viúva & netos & cão. Escolheram, decerto por economia e bucolismo talvez, o campismo. A viagem para Sul correu bem. Havia lugar no parque. Armaram a tenda, assaram uma sardinhada, foram arrotar de calções para a praia mais perto, voltaram, assaram uma carapauzada, foram arrotar de calções para a esplanada mais perto, voltaram e ressonaram a primeira noite como anjos urbanos pacificados pela asma mista do mar e dos pinheiros. A tragédia só começou de manhã.
I ACTO: A avó amanheceu morta. Ninguém tinha dado por nada, nem sequer o cão. Pai & mãe mandaram os filhos comer gelados ao bufete do parque e puseram-se a conferenciar. Que as férias estavam estragadas. Que o raça da velha. Que uma coisa daquelas só a eles. Que a carreta fúnebre de lá de cima ir-e-vir ao/do Algarve haveria de ser uma fortuna. Etc. Vai disto, decidiram-se a embrulhar a defunta na barraca, a acondicionar tudo com cuidadinho no tejadilho do carro e a rumar para Norte sem tuge-nem-muge.
Alas que se não fez tarde, assim procederam.
II ACTO: Tendo parado pelo caminho num tasco de bifanas para restauro, retempero e refrigério, não demoraram mais de vinte minutos. Horror: à saída para o estacionamento, só deram com o lugar onde carro e avó os deveriam esperar. Pai & mãe mandaram os filhos comer gelados ao tasco e puseram-se a conferenciar. Tinham de participar à GNR. Como explicar a avó, não sabiam. Logo se veria.
III ACTO: O resto desta tragicomédia, sabe-o o meu leitor tão bem quanto eu. A analogia (para isso são escritas, representadas, vividas e repetidas as tragédias e comédias desta vida) é facílima: a) A viatura roubada faz de Assembleia da República; b) A família viva (cão incluído, naturalmente) é a bancada parlamentar do PSD da era Passos Coelho; c) A avó morta (e embarracada) só pode ser (politicamente, está bem de ver) Fernando Nobre.
Cai o pano.

06/07/2011

outro, de hoje'agora mesmo

Uma pessoa é uma coisa para lavar por dentro
para trazer lavadamente ao colo ao tiracolo
do pensamento.

fragmento de ontem assim de repente outra vez

A maior parte do corpo deseja sempre viver.
A menor, viver para sempre.
Ambas morrem.

05/07/2011

ROSÁRIO DE ISABEL E DINIS seguido de OUTRAS FLORAÇÕES POR ESCRITO - 61 - Leiria, segunda-feira, 4 de Julho de 2011



© mediterraneaonline.eu – Paesaggio Mediterraneo

61. LAMPEJOS OPALINOS PARA COROAÇÃO DO CORAÇÃO

Leiria, segunda-feira, 4 de Julho de 2011

Hiberno em pleno Verão os meus lutos. Desperto e ponho-me (sonho-me) logo a viver o mais devagar possível. Dou-me a conciliábulos ante a quieta liturgia (letargia) dos objectos da Casa, primeiro, depois ante a dos da Rua, do Rio. É quase alucinatório e quase vegetativo – mas (ainda) não mata, ou enlouquece, ainda não. É transfiguração – isso é – e usa harmonias várias. Dão-se-me, por assim dizer, lampejos opalinos. É a coroação do coração.

*

É muito provável que as páginas (ou seja: os dias) que venho, vou e irei escre(vi)vendo mais não possam do que roçar a implacável inefabilidade dos meus vícios, das minhas atitudes e das minhas vicissitudes. Talvez. Só que não posso deixar de perseguir em tinta (im)permanente o esmalte coralino-nacarado da luz que a tudo enverniza, havendo Sol: as folhas das árvores coruscando conchas ópticas, pérolas fotossintéticas que, à imagem e semelhança das estrelas de uma clara e lavada noite de Verão, refulgem-chispam-faúlham-centelham-cintilam jaspes, ónixes, opalas, safiras, ametistas, topázios, madrenácares, ágatas, o tudo resultando em uma perturbadora (que não turva) minúcia, naquilo a que não posso deixar de chamar alumbramento. Os rostos e os flancos das coisas (incluindo, é claro, pessoas e animais) incandescem, eflorescem, celebram as suas involuntárias emanações reveladas e reveladoras – e fazem-no em púrpura branca, em leques e plumas, sedas e chitas, numa ganga luminoverbal que entontece até o menos coroado coração. Por exemplo, as mulheres de Leiria, porque também ninfas, são Lísides: ou Tágides do Lis. Aprecio delas as crinas lavadas e brilhantes, espécie de ouro-em-couro, cada uma delas em estatuto tríptico de limiar-pórtico-umbral de algum homem que não eu: heráldicas bem acampadas num florão ébrio de luz, linhagens que fecham, abrem e prolongam os seres a porvir, ginogenealogias como capas de revista com filhos em manchete. Tanta cintilação é uma maviosidade pictórica, sem dúvida. Acresça-se-lhe a farda das pombas, essas encarnações voláteis dos dias de chuva – ou damas de salão francês finissecular condenadas pelo anacronismo da modernidade à frígida frivolidade da sobrevivência omnívora e da mundanidade nunca impune.
(Mas Dinis ama Isabel como nunca e Isabel ama Dinis como sempre.)
Catedrais e mosteiros das pombas proustianas (e dinisabelianas também, como não?), Amiens, Bourges, Chartres, Reims, Rouen, Leiria, Batalha, Lisboa, Coimbra. Mas claramente sei que as linhas do meu livro (do meu dia enca(de)rnado) são o que parecem e de que perecem: gestos gastos quase viris, quase varonis e, caramba!, quase vis. Estou em plena tarde da minha vida, pois que viver se me fez tarde. Os nervos servos dos olhos escre(vi)ventes, um pária-em-pátria-própria, poderei deveras ser Dinis?

04/07/2011

ROSÁRIO DE ISABEL E DINIS seguido de OUTRAS FLORAÇÕES POR ESCRITO - 60 - Leiria, domingo, 3 de Julho de 2011

60. PARECIA NEM EXISTIR

Leiria, domingo, 3 de Julho de 2011

Em pleno Estio, o dia foi baço, de céu baixo dado a cinzas e a poalhas de água. Os domingos já são vazios, mas assim são-no bem mais. Só saí de casa à boca da noite. Leiria parecia nem existir. Vim pela beira do Rio ao resguardo remansoso das árvores. Impossível evitar que à cabeça acorresse a melancolia, essa seda da tristura da vida & da morte. Ruas e praças vãs, não porém desprovidas de certa sumptuosidade. Nem refracção, nem iridescência. Um entardenoitecer de implacável brandura. Morosa, amorosa, untada e ungida, a urbe suporta como pode que os de regresso a casa o façam na condição de silhuetas escuras, esvaziadas, sombras sem peso de si mesmas. 

Canzoada Assaltante