Leituras para bem desligar o televisor
“O silêncio é, no processo político, uma fonte documental tão importante como o discurso. Aquilo que se esconde está em luta com aquilo que se ostenta.”
Palavras sábias, estas que o professor Adriano Moreira publicou em 1977 no entrecho de O Novíssimo Príncipe (Editorial Intervenção, Braga/Lisboa). Tenho usado o lápis para cristalizar esta e outras citações da análise que o velho tribuno fez à quase-Revolução de Abril de 1974. Estoutra, por exemplo: “A Pátria não tem processo de inocência. Reflecte todos os actos dos seus filhos.” E esta ainda: “O arrependimento não mata o gosto do proveito.”
Tenho aproveitado esta e outras leituras recentes. Quero partilhá-las convosco, referindo-vo-las. A O Príncipe de Maquiavel, juntei Kaputt e Técnica do Golpe de Estado de Curzio Malaparte. Duas boas madrugadas me bastaram para levar a cabo a leitura de O Obelisco Preto de Erich Maria Remarque. E nos próximos dias vou dar A Volta ao Mundo com Ferreira de Castro.
E então? Então, ler é preciso para que o televisor siga saudavelmente desligado. Tenho caído de mais na asneira de o ligar logo de manhã. Aos gritos caça-táxis da Júlia Pinheiro e aos saracoteios papa-reformas do Goucha, sofro (d)a comissão par(a)lamentar de “inquérito” ao caso da frustrada compra da TVI. Vi o rapaz Penedos, anafadinho e ortoépio, a ser senhordoutorado pelas e a senhordoutorar as figuras que nos deputam. (E nisto do “deputar” vêm muito os tais “filhos da Pátria” do professor Adriano, não vêm? Vêm.) Vi outra vez o Vara (curiosa homonímia do substantivo colectivo da língua-também-pátria). Vi aquele que dizem sobrinho de não sei quem Soares. Vi até desistir de olhar – embora continue vendo perfeitamente, até sem cangalhas.
A solução? Ler: Moreira, Malaparte, Remarque, Castro. O problema é a minha mulher.
Chega a casa à tardinha. Vem estafada do trabalho. Sirvo-lhe um refresco na mesinha em frente ao sofá. Ela pega no comando da televisão. Liga. E pronto. Tudo se deteriora rapidamente. Pego num livro e fecho-me no quarto em silêncio, que agora vós podereis (re)citar como vera “fonte documental tão importante como o discurso.”
6 comentários:
O Saussure manda dizer que é preciso ruído para dar valor ao silêncio. Mas, creio, tu já sabias o valor do silêncio antes ainda de encontrares o Saussure.
Abraço!
QJ
Se vais com o Ferreira de Castro, vais com boa companhia. Boa viagem.
Não te esqueças de nos mandar postais.
Abraço.
Hoje é dia 8 de Maio. Quero dar-lhe os parabéns e desejar felicidades.
Um abraço. Saudações
grande texto!Já pró Porco...
vaice
em silêncio. passei. li. e gostei. como não?????
abraço.
já dizia o Groucho Marx : "A televisão é muito educativa. Toda vez que alguém liga uma, entro num quarto para ler um livro"
Hasta luego!
aparece em
http://forcanamaionese.blogspot.com/
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