1. Rosário Breve nº 105
O Ribatejo – www.oribatejo.pt
Oliveira Quase e Costa
Estou decepcionado com Oliveira e Costa, mas só desde ontem, 26 de Maio de 2009. O senhor ex-presidente (ou presidente ex-senhor) do Grupo SLN/BPN apresentou-se à comissão parlamentar de inquérito, lá isso ninguém lhe tira. Durante 131 minutos, leu uns papéis escritos na cela. Depois, horas a fio, quase respondeu ao que se lhe perguntou. Quase.
A minha decepção vem do “quase”: ingenuamente, confesso ter esperado que o senhor em questão me esclarecesse, a mim pessoalmente, determinados assuntos que me impedem de viver com qualidade.
A saber: o sentido da vida; a existência ou não ou assim-assim de Deus; a analogia da espiral entre a molécula do ADN e a morfologia das nebulosas; Marinho Pinto; a quase absoluta ignorância portuguesa quanto à obra do autor dinamarquês Anders Bodelsen; Manuel Pinho; as farinhas alimentícias; a hora a menos nos Açores; as dicotomias Benfica/Sporting, Wagner/Verdi, Eça/Camilo, Labesfal/Lusiaves, Ota/Alcochete e Marguerite Yourcenar/Marguerite Duras.
Do tudo que ele quase disse, só retive que não percebe nada de golfe. E que terá tido uma inflamação salvo erro na próstata que ameaçou derivar para um daqueles cancros que se metem nos ossos como o frio e a consciência. E que só trata por tu os colegas da escola, o Joaquim Coimbra não e o Dias Loureiro também não.
Anders Bodelsen é o autor de “Tænk På Et Tal”, traduzido para português como “Um Número à Escolha” (edição Livros do Brasil, nº 307 da Colecção Vampiro). É a história do assalto a um banco. O caixa descortinou a coisa antes dela se dar. Preparou-se para a coisa. O ladrão levou dez mil coroas. O caixa surripiou 178 mil sem dizer nada a ninguém. Bodelsen (nascido em 1937) retrata uma certa classe média dinamarquesa (e ocidental, por extenso) dos anos 60 do século passado, gente vulnerável à dissensão moral do materialismo, à dissolução dos valores e à finíssima linha entre a inocência e a culpa.
Oliveira e Costa quase me falou de Bodelsen.
Quase.
2. Este Lado para Cima nº 7
Jornal de Alcochete – www.jornaldealcochete.com
Correio do Montijo – www.correiodomontijo.com
Pratos do dia
O prato do dia é o encerramento de fábricas. Reportagem: casais casados que trabalham ali há 30, 40 anos. Os dois, homem e mulher. Rua. Há encomendas, mas as dívidas a fornecedores etc. Contactada pela nossa reportagem, a administração não quis prestar declarações. Rua.
O prato do dia é o Cristiano Ronaldo sim ou não vírgula milhões de euros no Real Madrid. O rapaz é que é esperto, o Quaresma nem tanto. O Rui Costa no Benfica, afinal, e pronto, tudo na mesma, lá vão eles passar o Verão a comprar refugo no Brasil. E o Figo em vez do Madail na Federação.
O prato do dia é a minha vizinha Guilhermina, mãe de dois rapazes já crescidotes, divorciada, caixa de minimercado, anda a tirar o 9º ano à pressa e à noite a ver se lhe dão um computador por cem euros para os filhos terem internet, sempre se gasta menos telemóvel.
O prato do dia é o têgêvê milagroso que nos vai resolver o futuro todo de uma vez só, como aliás a Expo-98 também não.
O prato do dia é o Poder Local, essa “conquista de Abril”, essa “democracia da proximidade”, essa “cidadania de bairro social”, esse prato de morangos afinal nêsperas verdes.
O prato do dia é a “Justiça” e seu tropel de avantesmas de toga espingardando-se umas aos outros para deleite do assaltante, do violador, do homicida, do ladrão de cobre, do banqueiro-off-shore, do Vale e Azevedo, de Gondomar, de Felgueiras, de Marco de Canaveses etc. Muito etc.
O prato do dia é a gripe porcina, doença que não é burra, já que tem evitado Portugal como uma pessoa de bem que não quer ser vista em local (tão) mal frequentado.
O prato do dia já não é a Esmeralda nem a Maddie, agora é aquela menina que levaram para a Rússia como se ela fosse o Quaresma ou assim.
O prato do dia é o telemóvel na sala de aula, é a professora descabelada a vociferar virgindades, é a maltosa adolescente a “estudar” em éssémiésse, é a língua portuguesa corrida a pontapé de rodapé televisivo.
O prato do dia é a TVI em todos os televisores de todos os cafés do País todo.
O prato do dia é a blogosfera cheia de poetas e de mensagens em brasilês cheias de esperança e de viagra e coiso.
O prato do dia é a ignorância orgulhosa de si mesma, a demissão colectiva de um aglomerado que nunca soube, nem sabe, nem saberá ser povo, nem público, nem gente.
O prato do dia serve-se frio.
O Ribatejo – www.oribatejo.pt
Oliveira Quase e Costa
Estou decepcionado com Oliveira e Costa, mas só desde ontem, 26 de Maio de 2009. O senhor ex-presidente (ou presidente ex-senhor) do Grupo SLN/BPN apresentou-se à comissão parlamentar de inquérito, lá isso ninguém lhe tira. Durante 131 minutos, leu uns papéis escritos na cela. Depois, horas a fio, quase respondeu ao que se lhe perguntou. Quase.
A minha decepção vem do “quase”: ingenuamente, confesso ter esperado que o senhor em questão me esclarecesse, a mim pessoalmente, determinados assuntos que me impedem de viver com qualidade.
A saber: o sentido da vida; a existência ou não ou assim-assim de Deus; a analogia da espiral entre a molécula do ADN e a morfologia das nebulosas; Marinho Pinto; a quase absoluta ignorância portuguesa quanto à obra do autor dinamarquês Anders Bodelsen; Manuel Pinho; as farinhas alimentícias; a hora a menos nos Açores; as dicotomias Benfica/Sporting, Wagner/Verdi, Eça/Camilo, Labesfal/Lusiaves, Ota/Alcochete e Marguerite Yourcenar/Marguerite Duras.
Do tudo que ele quase disse, só retive que não percebe nada de golfe. E que terá tido uma inflamação salvo erro na próstata que ameaçou derivar para um daqueles cancros que se metem nos ossos como o frio e a consciência. E que só trata por tu os colegas da escola, o Joaquim Coimbra não e o Dias Loureiro também não.
Anders Bodelsen é o autor de “Tænk På Et Tal”, traduzido para português como “Um Número à Escolha” (edição Livros do Brasil, nº 307 da Colecção Vampiro). É a história do assalto a um banco. O caixa descortinou a coisa antes dela se dar. Preparou-se para a coisa. O ladrão levou dez mil coroas. O caixa surripiou 178 mil sem dizer nada a ninguém. Bodelsen (nascido em 1937) retrata uma certa classe média dinamarquesa (e ocidental, por extenso) dos anos 60 do século passado, gente vulnerável à dissensão moral do materialismo, à dissolução dos valores e à finíssima linha entre a inocência e a culpa.
Oliveira e Costa quase me falou de Bodelsen.
Quase.
2. Este Lado para Cima nº 7
Jornal de Alcochete – www.jornaldealcochete.com
Correio do Montijo – www.correiodomontijo.com
Pratos do dia
O prato do dia é o encerramento de fábricas. Reportagem: casais casados que trabalham ali há 30, 40 anos. Os dois, homem e mulher. Rua. Há encomendas, mas as dívidas a fornecedores etc. Contactada pela nossa reportagem, a administração não quis prestar declarações. Rua.
O prato do dia é o Cristiano Ronaldo sim ou não vírgula milhões de euros no Real Madrid. O rapaz é que é esperto, o Quaresma nem tanto. O Rui Costa no Benfica, afinal, e pronto, tudo na mesma, lá vão eles passar o Verão a comprar refugo no Brasil. E o Figo em vez do Madail na Federação.
O prato do dia é a minha vizinha Guilhermina, mãe de dois rapazes já crescidotes, divorciada, caixa de minimercado, anda a tirar o 9º ano à pressa e à noite a ver se lhe dão um computador por cem euros para os filhos terem internet, sempre se gasta menos telemóvel.
O prato do dia é o têgêvê milagroso que nos vai resolver o futuro todo de uma vez só, como aliás a Expo-98 também não.
O prato do dia é o Poder Local, essa “conquista de Abril”, essa “democracia da proximidade”, essa “cidadania de bairro social”, esse prato de morangos afinal nêsperas verdes.
O prato do dia é a “Justiça” e seu tropel de avantesmas de toga espingardando-se umas aos outros para deleite do assaltante, do violador, do homicida, do ladrão de cobre, do banqueiro-off-shore, do Vale e Azevedo, de Gondomar, de Felgueiras, de Marco de Canaveses etc. Muito etc.
O prato do dia é a gripe porcina, doença que não é burra, já que tem evitado Portugal como uma pessoa de bem que não quer ser vista em local (tão) mal frequentado.
O prato do dia já não é a Esmeralda nem a Maddie, agora é aquela menina que levaram para a Rússia como se ela fosse o Quaresma ou assim.
O prato do dia é o telemóvel na sala de aula, é a professora descabelada a vociferar virgindades, é a maltosa adolescente a “estudar” em éssémiésse, é a língua portuguesa corrida a pontapé de rodapé televisivo.
O prato do dia é a TVI em todos os televisores de todos os cafés do País todo.
O prato do dia é a blogosfera cheia de poetas e de mensagens em brasilês cheias de esperança e de viagra e coiso.
O prato do dia é a ignorância orgulhosa de si mesma, a demissão colectiva de um aglomerado que nunca soube, nem sabe, nem saberá ser povo, nem público, nem gente.
O prato do dia serve-se frio.