Agora Aberto todo o Dia também ao Sábado
(Sonetos, Família, Londres, Marés e Janela com Fruto)
I. Três Sonetos
1
A minha vida nunca me deu lições.
Tirei dela ilações, quando muito.
Nada tenho perdido ou ganhado de jeito.
Umas doses de manteiga, uns pães.
Nada disto importa ou exporta.
Já são sossegados os cais do meu peito.
Conta a carnação se não fazer hirta.
O diabo a sete pinta o quatro e o oito.
Nada de novo debaixo do lençol.
De verdemorango picotam grainhas.
No fim venha a sorte, pàzada de cal.
A alma se alongue perdida por brenhas.
Do mais que não digo, por não no saber,
consta mais nenhuma coisa a dizer.
2
Já passei dor e bojador.
Nada de tão longe que se não leia.
A guerra do Laos e a da Coreia.
Mãepada e café se fizer favor.
Uma pouca dágua. Uma sombra subtil.
Um deixamirembora, milhão entre mil.
Um rasto de folhas flavas outonais,
milhão entre mil e cem e bem mais.
Cultivo dos anjos as penas aladas.
À beira do poço, menino insone
tropeça na morte, que o telefone
só dá p’ra deixar mensagens gravadas.
Do mais que não digo, por não no saber,
consta mais nenhuma coisa a dizer.
3
Olha seu mandasse nesta merda toda,
quão pior não seria todeste cocó.
O povo é ’ma merda, bem qu’ele se foda.
Mais vale, sendo um, seguir send’ um só.
Tu olhas em volta e voltas ao centro.
Dentro, tudo’ spelho, pimenta e coentro.
Daçorda não cheira alh’ e bacalhau,
quem tenha do bom não quer ter do mau.
Olha o teu primo, tua vilegiatura.
Vida dura os dois, os três, o diabo.
Começo e acabo, que a vida é dura
do cabo do olho ao olho do rabo.
Do mais que não digo, por não no saber,
consta mais nenhuma coisa a dizer.
II. Em Família
Alguns pais deixam cair violetas
como as ovelhas, caganetas.
São as frases que os filhos guardam,
são as frases que os cordeiros guardam.
O perfume da cozinha é todo mãe,
alguma mãe, certas cozinhíferas.
Odoríferas, inhas, mães, mãezinhas.
Algumas mães caem, violentadas violetinhas.
III. London, Whenever
Na longa street as gabardinas
chapéucocam frios alugueres.
O mais é coisa de meninas,
que tanto pós-guerra secou as mulheres.
Eu digo: o porquito na horta,
V1 e V2, berliner despair:
mas o que eu queria (a coisa ’tá torta),
aquilo qu’eu queria, er’ uma mulher.
IV. Marés
Vos tenho dado e recebido reciclado.
Marés vêm vão vindo virão.
Ventos dão nas costas agrutas abruptas.
Digo. Ainda. Meu avô: o relógio dele,
madeirac, ic, ac, tique, taquetc.
Sim, formosa.
X, Ch, Shiu!
Pára o Tempo!
Se, SSSS, cobra.
Meia cobra.
Obra.
SSSSS!
Eu digo.
V. Janela com Fruto
A janela ao lado está fechada.
Isso é normal, faz frio.
Vem vento do lado do rio.
Isto é normal e Portugal.
Sou o último fruto.
Sou o último fruto – e estou
estragado.
Já nem saio ao sábado.
(Sonetos, Família, Londres, Marés e Janela com Fruto)
I. Três Sonetos
1
A minha vida nunca me deu lições.
Tirei dela ilações, quando muito.
Nada tenho perdido ou ganhado de jeito.
Umas doses de manteiga, uns pães.
Nada disto importa ou exporta.
Já são sossegados os cais do meu peito.
Conta a carnação se não fazer hirta.
O diabo a sete pinta o quatro e o oito.
Nada de novo debaixo do lençol.
De verdemorango picotam grainhas.
No fim venha a sorte, pàzada de cal.
A alma se alongue perdida por brenhas.
Do mais que não digo, por não no saber,
consta mais nenhuma coisa a dizer.
2
Já passei dor e bojador.
Nada de tão longe que se não leia.
A guerra do Laos e a da Coreia.
Mãepada e café se fizer favor.
Uma pouca dágua. Uma sombra subtil.
Um deixamirembora, milhão entre mil.
Um rasto de folhas flavas outonais,
milhão entre mil e cem e bem mais.
Cultivo dos anjos as penas aladas.
À beira do poço, menino insone
tropeça na morte, que o telefone
só dá p’ra deixar mensagens gravadas.
Do mais que não digo, por não no saber,
consta mais nenhuma coisa a dizer.
3
Olha seu mandasse nesta merda toda,
quão pior não seria todeste cocó.
O povo é ’ma merda, bem qu’ele se foda.
Mais vale, sendo um, seguir send’ um só.
Tu olhas em volta e voltas ao centro.
Dentro, tudo’ spelho, pimenta e coentro.
Daçorda não cheira alh’ e bacalhau,
quem tenha do bom não quer ter do mau.
Olha o teu primo, tua vilegiatura.
Vida dura os dois, os três, o diabo.
Começo e acabo, que a vida é dura
do cabo do olho ao olho do rabo.
Do mais que não digo, por não no saber,
consta mais nenhuma coisa a dizer.
II. Em Família
Alguns pais deixam cair violetas
como as ovelhas, caganetas.
São as frases que os filhos guardam,
são as frases que os cordeiros guardam.
O perfume da cozinha é todo mãe,
alguma mãe, certas cozinhíferas.
Odoríferas, inhas, mães, mãezinhas.
Algumas mães caem, violentadas violetinhas.
III. London, Whenever
Na longa street as gabardinas
chapéucocam frios alugueres.
O mais é coisa de meninas,
que tanto pós-guerra secou as mulheres.
Eu digo: o porquito na horta,
V1 e V2, berliner despair:
mas o que eu queria (a coisa ’tá torta),
aquilo qu’eu queria, er’ uma mulher.
IV. Marés
Vos tenho dado e recebido reciclado.
Marés vêm vão vindo virão.
Ventos dão nas costas agrutas abruptas.
Digo. Ainda. Meu avô: o relógio dele,
madeirac, ic, ac, tique, taquetc.
Sim, formosa.
X, Ch, Shiu!
Pára o Tempo!
Se, SSSS, cobra.
Meia cobra.
Obra.
SSSSS!
Eu digo.
V. Janela com Fruto
A janela ao lado está fechada.
Isso é normal, faz frio.
Vem vento do lado do rio.
Isto é normal e Portugal.
Sou o último fruto.
Sou o último fruto – e estou
estragado.
Já nem saio ao sábado.
Texto:
Caramulo, tarde de 24 de Maio de 2007
Fotografias:
a) Diurna: Caramulo, 20 de Maio de 2007;
Nocturna: Caramulo, 17 de Março de 2007
1 comentário:
Gostei. Devagar, vou reconhecendo a tua escrita. Penso que se ler algum texto teu sem saber o autor, saberei que és.
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