22/08/2006

Dísticos Matinais

(Foram compostos estes pares de versos no decurso de uma manhã muito esclarecida de Julho; escrevi-os na casa do dr. João Almiro, um homem de 80 anos que dedicou a vida e a fortuna a ajudar pessoas desviadas do comum rio dos outros: crianças, cirróticos, drogados, pessoas; dedico estes dísticos a esse senhor.)
1
As vidas: espelhos mínimos
da Grande Vida.
2
Gatos infantis num vaso de barro:
abraços mordidos.
3
Manhã suave, fresca, larga:
um tanque de luz.
4
Tudo ouro, tudo prata,
ar tudo: passagem.
5
Livre, pardal, coelho:
um homem bravo ao meio-dia.
6
Um outro:
um e outro.
7
Voz do pássaro pousado
no arame: flor rápida.
8
Sol a pino no pó:
despede-se a manhã.
9
Sombra na manhã como panos
nocturnos ainda, porém.
10
Correnteza de homens:
efémeros, seixos.
11
O céu é para mergulhar
de cabeça, o coração por terra.
12
Lavar por dentro:
conscienciosamente.
13
Terra tão depressa
laranja como pedra.
14
Janelas vistas para dentro,
como poços subidos.
15
Cores da telha, da árvore,
do céu: dulcíssimas violências.
16
Mulheres ingerindo bolos,
guelrando risos, alheias.
17
Serviço e féria.
Pão e manteiga.
18
Enquanto for vivo:
enquanto vier vivo.
Campo de Besteiros, manhã de 28 de Julho de 2006

4 comentários:

Anónimo disse...

Belo.
Abraço.

José Antunes Ribeiro disse...

Caro Daniel,
Devo-te um sinal de vida, algumas respostas,mas a verdade é que fiquei sem computador,as avarias do costume,e hoje vim a casa de um amigo para te dizer que estou vivo e escrevo...um dia destes respondo ao teu mail.
Passei por aqui...carradas de talento para dar e vender!...
Um grande,grande abraço!
Zé Ribeiro

Maria Carvalho disse...

Espectaculares dísticos!

Daniel Abrunheiro disse...

O melhor destes dísticos não são os ditos, mas a figura humana que mos inspirou. O dr. João Almiro, farmacêutico e industrial, entregou e entrega tudo o que tem aos deserdados da vida.
Às vezes, é bem melhor reconhecer do que conhecer.

Canzoada Assaltante