serei o contador do que há, do que
receio que haja, do que
desejo venha a haver.
Amo as pedras escritas.
Amo os gestos, esses desenhos arqueológicos
traçados pela memória corrompida.
Conto essas coisas, nas vastas
noites devastadas,
enquanto a tesoura escura do corpo
contrasta os lençóis, a loucura
não mansa.
Ainda hoje assisti eu a duas moças
robustas e brunidas merendando
bolos e copos de vinho branco.
Carnações sãs, pés completos em finas
chinelas, dentes ortoépios, bocas boas,
mãos alimentícias, barrigas e almas
sólidas.
Este é o tempo, este é todo o tempo.
Um homem cavalga um tractor verde.
Moscas caganitam reticências.
Escolho e colho.
Um casal com sacos de compras:
pão, verduras, vinho, banha, insecticida.
Um homem de boné azul, braços fortes,
castanhos.
Escrevo a minha mesma pedra.
A ferida genital pulsando leite negro,
a tosse alcatroada.
Mais a inconsolável beleza dos montes,
sobre que espraio uma atenção desmemoriada.
Não sei quando, mas outra vez
ainda
tocarão a areia marinha estes pés portugueses.
Este é todo o tempo que falta,
ocasião para escrever a pedra,
exercício amoroso e triste;
e contador.
Caramulo, tarde de 11 de Agosto de 2006
3 comentários:
Quando o contador avariar, penso que a pedra ficará por ser escrita e o tempo deixará de ser de hoje.
Faço minhas as palavras de Y.C. Centeno "é assim ser poeta: ser mendigo e ser rei"
Raios! Hoje o dia não está... Quero dizer Y de Yvette "K" e não C de Kace e Centeno. Para não induzir em erro. Assim é que está correcto.
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