Oxalá que perguntar
ofenda
1 Sei as respostas, mas faço as perguntas na mesma:
a) Não seria bem mais
acertado gastar em bombeiros o que se gasta em tropa, gastando em tropa o que
se gasta em bombeiros?
b)
Se a tropa nem as próprias armas consegue guardar, a tropa serve para quê e/ou
a quem?
c)
Um bombeiro vale quantos generais?
2 A pergunta da alínea a) chega a ser pouco discutível. Chega o calor, esfregam as mãos os
privados que alugam meios aéreos por uma fortuna. Ao mesmo tempo, as aeronaves
da tropa praticam as belas rendas da teia d’aranha (quando não andam ocupadas a
queimar combustível caríssimo em solenes aparatos perfeita, absoluta e
absurdamente inúteis). E os submarinos, não esquecer os tristemente célebres
submarinos-catrinetas de guardar o carapau da costa.
3 À caricata questão escarrapachada em b) há que juntar a rábula das messes
roubadas pelos seus próprios (in)fiéis-de-armazém. A credibilidade e o pundonor
da instituição castrense são atirados à lama por gente aparentemente incapaz de
viver com o próprio pré num País que fora dos quartéis pratica essa ofensa
colectiva chamada “salário mínimo”. Brio, decoro, honradez, amor-próprio,
dignidade, distinção, decência militar – tudo se esfuma à vista de uma sacada
de batatas sobrefacturada à conta do civil. Mais o tal armamento ao dispor do
primeiro filho-de-uma-velha que, com
conhecimentos lá dentro, passe a horas certas nos intervalos da chuva e das
sentinelas na zona do paiol.
4 Quanto à c), calma.
Para de todo não resvalar em demagogia fácil, devo dizer que conheço em pessoa alguns
bombeiros fraquitos e uns tantos oficiais, sargentos & praças
decentíssimos. Como dizia o outro, “nada
do que é humano me é estranho”. O problema, todavia, sobrepassa em muito a
excepção para consagrar a regra. E cá está: por regra, o bombeiro dá-se todo a
uma causa humanitária sem esperar nem mordomias nem alcavalas, antes
sacrificando o seu tempo, a sua família, o seu ganha-pão e a sua saúde; o
general – sejamos francos de uma vez por todas – tem camaradas a mais para a
mesma teta.
5 Variando o tiro e o jacto da mangueira, preciso ainda
de dizer-vos alguma coisa sobre o Concerto
do Peido. É como muita malta chama àquela coisa muito lindinha dos artistas
angariando fundos para acudir às vítimas (sobreviventes) do incêndio de 17 de
Junho último. Fiquei (ficámos todos) a saber que a receita de milhão e meio de
euros angariada com o tal concerto de solidariedade (mais chamadas telefónicas)
foi entregue à União das Misericórdias. Não foi entregue ao fundo especial do
Estado. Não foi entregue às autarquias directamente lesadas. Não foi sequer
entregue, hélas!, aos Bombeiros. Não.
Foi entregue à Igreja, via aquela rede de instituições (tutelada por Santana
Lopes) que quer ser banco ou coiso assim.
O autarca de Pedrógão Grande, em solidariedade com os outros dois executivos
municipais afectados pela tragédia (Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra),
já manifestou revolta e desconcerto perante tal aberração. O peido deu borrada.
E tresanda.
6 Já agora que estou numa de acirrar novos inimigos, a greve
da enfermagem. Não avalio nem contesto a greve da enfermagem – mas acho
perversa a ameaça aos partos. Há limites que a razoabilidade deve traçar – e
mínimos limítrofes. Não é a mesma coisa que os professores ameaçarem greve aos
exames. Não é mesmo a mesma coisa. Haja juízo. A enfermagem é tão indispensável
quanto a classe médica. Dúvida nenhuma sobre tal. Mas calma: o parto é
inadiável por sua mesma natureza. Pés na terra, pessoal. E os pés não são para
levar tiros.
7 Termino pelo título. “Oxalá que perguntar ofenda” – é mesmo o que eu queria dizer. E
ainda quero. E disse. É preciso incomodar quem nos faz mal. Sem medo nem
hesitação. É preciso inquietar quem vive de nos comer as papas na cabeça. Eu
sei que não é uma croniqueta que resolve o assunto. Careca de saber isso estou
eu, que todavia me ponho sempre em cabelo para mandar umas bojardas de se lhe
tirar o chapéu.
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