Fala o crónico
Uma
volta sem pressa nem ânsia dei por beira-rio, já a tarde declinava o latim do
recolhimento de si mesma. Visto de fora, levava-me um corpo como todos: saco de
vísceras atado em cima por um olhar em constante retrocesso daquilo a que os pios
chamam alma mas os ímpios, lembradura. Desafeito a procurar o que
seja ou a esperar o que for, não levava tema nem me traziam motivo, fito ou
assunto para a crónica. Ia por ali disponível às possibilidades combinatórias
do mundo local – o qual, por artes & manhas do pensamento matizado de
doideiras líricas, nunca é apenas o chão que se pisa ou o céu que se não voa,
nem apenas o plátano de que se partilha o ar vertical, nem tão-só a imitação de
rio que cada um é porque feito quase todo de água também.
Como
os doidinhos-mansos, é verdade que me fui apanhando a sorrir sem interlocutor
visível, por exemplo ao ocorrer-me aquilo do ex-casamento que tanta má-língua
faz salivar por edis terras de Tomar, ou aquilo do
afiar-navalhas-amolar-tesouras pró-Autárquicas-2017 por bandas de Abrantes (na
forja laranja mormente), ou pela
fatal Santarém em que se pranteia (mais uma) degradação a céu-aberto (cf.
pavilhão desportivo), ou aquele anedótico tiro-no-pé da petição anti-vinda do
Papa a Fátima, ou in Cartaxo a confessa
& assumida desunião que grassa entre as corporações bombeirais do distrito,
ou o anacronismo da velha ponte entre a Chamusca e a Golegã mais estreita do
que a minha carteira, ou o fétido cancro em que o Tejo se volve mercê de um
punhado de gananciosos que se não reconhecem feitos da mesma matéria dos rios,
da chuva, do mar – que formas são todas do colostro mater-universal.
A
todo este rol enxotei porém como a moscas desalmadas. Se por mim o mundo se não
perde, também por mim se não salva. Esperto, fui auferindo a branda brisa que
em pleno voo caduco rodopi’anim’ava das árvores as folhas terminais: belo é o strip-tease outonal. Abanquei o
rosto-de-baixo em uma afável & amável esplanada servida por & de
raparigas. Já o entardenoitecer esp(o)alhava derredor sua sangria de açúcar
colorido. Era um daqueles instantes sem data que nos maculam de nostalgia:
espécie de eternitarde tardia & não-eterna. Aí te apercebes sem esforço de
teres nascido sem que to perguntassem & de ires morrer sem que te
respondam.
Por
precaução posológica, receitei-me uma cerveja fria, de que me ungi qual cristão
mui dado à comunhão da fé-33-centilitros. Fui amainando os meus cavalos íntimos
até uma espécie de dormência sem pecado nem humilhação.
Um
toque no ombro – fecham cedo, à semana. Paguei com as últimas moedas da
terça-feira, rederivei o retorno pelas pègadas da vi(n)da, achei-me recomposto
em formato de última-página: é-me crónico que a crónica acabe acontecendo.
Para
minha boa-sorte, no postigo da página só se me vê o olhar, não o saco visceral
que ele ata com guita de lentes bem mais progressivas do que eu. Do que eu – e
do que uns quantos que em Tomar, Abrantes, Santarém, Fátima, Chamusca, Golegã &
Cartaxo, de
Tejo à vista, etc. etc. etc.
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