19/05/2016

ROSÁRIO BREVE n.º 457 - in O RIBATEJO de 19 de Maio de 2016 - www.oribatejo.pt


Duas Suíças ou menos




1Tenta viver como se fosse manhã.”
Isto é Nietzsche lido por Bloom (H.). Parece-me boa injunção. Não é fácil: a noite figurada parece invencível as mais vezes. Não é fácil – mas é possível. E se é possível, está ao alcance.
Em caleidoscópio, as imagens do mundo concorrem-nos sem cessação. A atenção dispersa-se ao sabor (quantas vezes amargo) dos estímulos. A honestidade existe, mas não campeia. O banditismo parece integrar a essência humana. Os valores tidos por essenciais (direito à vida, ao trabalho, à saúde, à honra, à paz) podem ser e são escamoteados a pretexto de fantasmas obstinados: a superstição, a ganância, a ignorância, o preconceito, a dominação.
A veracidade evidente destas constantes é avessa à tal manhã existencial. Mas é possível combatê-la – antes que se faça tarde.
2 Na exígua paróquia do Universo chamada Portugal, os últimos tempos voltaram a ser fustigados pela euforia bêbeda da bola. Pelas redes sociais, umas (poucas) almas ainda verberaram tanta barulheira gráfica. Tipo assim: “Ah Portugueses dum caraças, se o desemprego, a saúde, a justiça e a austeridade forçada vos fizessem cerrar sempre fileiras combativas assim, seríamos para aí duas Suíças”. Mais ou menos isto. O espírito era este, se não o texto. Mas – quê? Rui Jorge Vitória Jesus, Jonas Fisgas Slimani Pistolas etc. etc. etc. etc.
3 Nos entrementes, há quem queira (e o queira muito) intoxicar a opinião pública com a antinomia Escola Pública – Colégios Particulares/Cooperativos. É natural que sim: estão em jogo os milhões de todos a saque de uns poucos. A necessidade pretérita dos ora famigerados contratos de associação tem sido em muitos casos, mercê do crescimento da oferta pública de rede escolar, debelada. Assim sendo, proponho três equações simples: Dinheiro Público – Escola Pública; Dinheiro Privado – Escola Privada; Caixa de Esmolas – Ensino Religioso. Pim, pam, pum. Posto de outra maneira: onde o contrato de associação se justifique (e há casos em que sim, note-se bem), cumpra-se; onde não, rasgue-se. E siga(mos) para bingo.
4 Se duas causas há que não apenas me não merecem simpatia como bem antes pelo contrário, elas são: 
- a dos taxistas de Lisboa; 
- a dos suinicultores nacionais.
Há tempos, na TV, um taxista queixava-se de que “por causa da Uber, só fazemos serviços para a chungaria”, acrescentando que “a polícia anda sempre em cima de nós e se levamos um euro a mais é o diabo”. Isto nem carece de comentário.
Quanto à suinicultura nacional, relembro tão-só que a ganância impura e simples, anos/décadas a fio, tem levado os produtores íncolas a desprezar as mais básicas condições ecológico-ambientais suas envolventes. ETAR? Os municípios que as paguem. Sei, infelizmente sei, muito bem do que falo: habitante há anos de uma região enxameada de pecuárias afins, não desconheço os recorrentes (e não punidos) atentados contra, por exemplo, os aquíferos e os flúvios. Como se também os suinicultores estendessem à chungaria consumidora a pouca higiene do seu/deles porquinho.
5 Onde isto já vai: comecei citando Nietzsche e já ronco… Não é grave, porém: a realidade ficará exactamente no mesmo sítio, pesada, inamovível, indiferente a estas minhas filosofices impotentes. Salva-me todavia o facto vero & mesmo de ser manhã. Objectivamente manhã. Horariamente manhã. Tenho o dia todo (tê-lo-ei?) por minha conta. Na cama que dele fizer, a noite passarei.
E nela sonharei, naturalmente que sim, com o meu tetra na próxima época.
Assim seja.

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Canzoada Assaltante