Quarenta
anos menos quinze dias depois
A Terça-Feira/10 de Novembro de 2015 foi
uma jornada irrevogável.
O Sol do Verão de São Martinho dourou
graciosamente a nossa parte do mundo. A luz alta, dando esmalte alto nos verdes
perpendiculares, todo o santo dia nos animou o simples facto de estarmos vivos
pela mercê de brilhos à mesma vez minuciosos e amplos, como óptima e
opticamente acontece na senda de ouro em perspectiva que vai mar afora da praia
ao horizonte. Nem parecia haver nervosismo
dos mercados internacionais.
A Natália devassou a Praça de
chapèuzinho fofo cintado a tira azul-bebé de velcro no feltro da copa, a
Natália muito branca por dentro do vestido de gaze cor-de-violeta-macerada, a
Natalinha todo certi’aprumadi’nha nos sapatinhos rasos de freira-noiva. Nem nos
lembrou que acabava de morrer, felizmente longe, o ex-chanceler amigo e alemão
do Soares, um tal Helmut Schmidt de
96 anos que a Natália obliterou de vez & sem remorso logo que nasceu, há
dezoito.
Obliquando os ígneos cabelos ruivos que são
de sua natura e nossa loucura, a Filomena, que é muito dada de dar, dava água
fresca de beber às crianças peregrinas de romagem à Senhora da Infância, cujo
santuário é ubíquo e alveja, tal um beijo de cal, nos filhos com que fomos
capazes de refazer-nos a nós mesmos à imagem e semelhança de nossos pais. Filomen’apaziaguada
aquela sede pueril, a ninguém ocorreu angustiar-se com a perfídia do PSI20 que entretanto baldeava para baixo
a Bolsa.
Molhados de sombra enxuta sob os eólicos
plátanos farfalhantes do Largo, os jogadores-de-cartas, à maneira de monarcas
exilados na própria pátria, biscavam & trunfavam em total alheamento dos ministros de economias & finanças
àquela hora aquadrilhados em Bruxelas para mais um sinédrio de roubalheiras
& comezainas de igreja & gamela.
Por faltarem então dois dias para a
saída do Jornal, foi sem provisão de leitura que levei o ácido úrico a passear
pelos arrabaldes-de-nenhures que são a paisagem ambulatória do povoamento fixo
da minha vida. Talvez por isso não puderam, eles,
juntar-me a Paulo Lalanda de Castro, ex-patrão de Sócrates na Octapharma, no
rol de arguidos dos processos Marquês + Visa Gold: sem O Ribatejo, faltava-me a capa-falsa.
Quando, pela tardinha já, já o
ouro-velho fulgia faíscas nas derradeiras vidraças inteiras da fábrica ao abandono,
abandonei-me sem estrebuchos à miragem verídica da passagem da Dolores pela
azinhaga do fontanário, a Dolores Maria macia & maciça como azulejo de
chacota-viva, a Doloreira solteira & feliz como a perdiz de petisqueira. É
do ser singela que a ela-Dolores não dolorosamente imputam qualquer quebra de lealdade, como a que se diz
teve Jesus (o Jorge, não o INRI) para com o Éssélbê.
A noite amansou de vez as ilusões de
perpetuidade a todos nós cães, búfalos, hienas, gatos, hidrómetras, hidrófobos,
abstémios, abstencionistas, pensadores, pensionistas, apostadores, apóstatas,
ratos, iconoclastas, ginastas & moscas. Em Lisboa, parece que apearam o desGoverno.
De modo que, no dia seguinte, onde
estiveram e por onde passaram a Dolores, a Filomena & a Natália, há-de
passar também, que é bem senhora para isso, a Esperança.
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