29/10/2015

Rosário Breve n.º 429 - in O RIBATEJO de 29 de Outubro de 2015 - www.oribatejo.pt

Contracapa ri(t)mada mas não falsa nem à venda nem por favor

Uma papa de água-prata estanha o asfalto da Vila.
Tem sido feraz, a feroz invernia actual afinal outonal.
Arrepia nucas & caminhos a ventania, barco sem vela.
Insone noite adormece adentro o dia, afora Portugal.
(Venho aqui falar de capas-falsas-pagas, não mo leveis a mal.)
Não fui este ano ao festival gastrónomo ribatejano.
Desconfio que repetirei o não-ir no próximo ano.
Gosto pouco que me saiba o palato a capa-falsa.
Atiro o pèzinho-de-porco a outro coentro; e o grão, a outra salsa.
Curto pouco-nada-zero falsidades, por mor, ’inda, das (en)capadas.
O mesmo amiguismo hei visto por outras cidades, não há daqui novas renovadas.
Castrados serviçais ganem à vista mera do mero osso.
Este custa meio amendoim; aquele, metade de um tremoço.
Aquel’além, duas pevides; e aquele é corno de testa como os cabides.
Fraca gente lida mal com a supositória suposição de a cívica posição ser maldosa oposição.
Olha que não, ó gente fraca, rabeta, rabeca & macaca, cara-de-cão.
Ó tempo, volta p’r’à frente – canta-me isso, António Mourão.
Cansam-me (sem me fatigar porém) o tacho do filho, a panela da mãe, o púcaro do sobrinho, o túbaro do priminho – e a carestia do vinho.
Não, não fui deleilautar-me, alarve, à Gastronomia festivaleira.
Dela dei, todavia, notícia – tão sem tostão quão sem malícia.
Eu, um dia (digo isto à base de muito talvez), vou ali ao Chinês chopsueyar-me de costelas de rato com requintes de agridoce malvadez.
Ao encontro & de encontro (diferentes toques são), venham eles-ventos e elas-marés.
Mostra-me, ó tratante, a tua carteira de publicidade: à vontade te direi quem pareces & quem (não) és.
Quando menino, vi que cada outro dos meninos era diverso & e de ao meu comum destino.
Habituei-me, quer’eu dizer, ao Outro – como a macha cavalgadura à novidade fresca do potro.
Ora adulto, adoeço sem febre da simples reiteração de o Ribatejo sofrer de natural beleza tanto quanto da humana condição.
Lastimo a pobre eleita gentinha (que aliás não elegi) envelhecendo tão depressinha quão a borboleta & o colibri.
A tudo isto alheios, os nocturnos vândalos sem livros nem futuro spraygrafittam paredes & queimam, por nada, público contentores de lixo recolectores.
Mui gosto teria eu que sofrepadecessem de aviltantes dores, dores tais que arremessassem tais sub-animais ao monturo.
Às vezes, confesso, hesito: valerá esta cidadela um grito?
Valerá.
Mês que vem, faz trinta anos (já!) o meu/nosso/vosso Jornal.
É de vera capa. À dura luta do dia-a-dia não escapa. Nem escapar aliás quer.
Que isto de gastronomias, natalícias hipocrisias & vendilhonas capas são só as que o Leitor (não) quiser.




22/10/2015

Rosário Breve n.º 428 - in O RIBATEJO de 22 de Outubro de 2015 - www.oribatejo.pt




Vou ali ver se vejo


Extinto o Estio em os fumos sem fogo dos pretéritos acabados, acontecem fora de grande pasmo as tropelias do outonecer invernoso. São manhãs já grisalhas à nascença, tardes bafientas como quermesses de sacristia, noites engelhadas como peles outrora seminais. É natural. Faz parte. A Grande Roda é isto e isto mesmo.
A chatice está no aluir dos casarões devolutos. São berbicachos administrativos de alto-lá-com-o-charuto. Solidões geriátricas, óbitos, heranças, sobrinhos remotos, primalhada íncola que se está nas tintas – um ror e um horror de bens ao luar que a indiferença atira ao regaço dos municípios como quem dá uma esmola maligna. Depois, o mal acontece e pouco remédio tem.
Foi o caso da casa da Rua do Pocinho, ali à Ribeira de Santarém. Pelo anoitecer de sábado passado, 17 do corrente, as velhas paredes deram de si sem dó. Houve que demolir o resto, claro. O problema era a estrada atulhada de tantas misérias aluídas. Já só muito tarde (domingo cedo, isto é) a circulação derredor foi restabelecida. Entre Almeirim e Santarém, só pela ponte Salgueiro Maia. Como há bem mais de um ano que a EN114 continua amordaçada pela incúria dos desmandados mandantes, os devotos de Santa Margarida encostam-se ao que podem, coitados, enquanto as fantasiosas e utópicas obras de estabilização das barreiras não põem os catrapilos a fumegar. Ninguém se aleijou, é o que vale. Desta vez.
Mais cómica é a situação do passeio desnivelado em Pernes. Mas atenção: cómica, enquanto alguém não esgalhar por ali um perónio ou der um daqueles bate-cus que seccionam a medula-espinhal. Parece que algum engenheiro tipo domingo-de-Agosto por ali projectou uma língua pedonal que saliva de lado como os bêbados felizes. A confusão mete ingredientes de construção de espaço comercial no centro da Vila, amailos limites do edifício, amailo o desgracioso adernar do passadiço pró-peão. Agora que chove dos cântaros de Deus, que Ele a dá, se a coisa descamba para o escorrega-tem-te-não-caias, o mais certo é à maltosa de Pernes acontecer o mesmo que ao casario velho da santarena Rua do Pocinho. Enfim: cornos ao lume e fé nas castanhas, que o tempo é destas & daqueles.
Nos entrementes, os concelhos de Abrantes e Mação deram também para o charco pluviométrico. Sobrevindo umas bátegas boas na passada segunda-feira, 19, ele foi todo um estendal de estradas, caves e garagens afogadas como gatinhos em saco de serapilheira. Comércios e bens particulares rangeram e doeram. Gente houve sitiada nos próprios veículos, como em Alferrarede e no Cabrito, valendo-lhe a pertinácia sempre generosa do bombeiral. É natural. Faz parte. A Grande Soda é isto e isto mesmo. Não há aqui política – é tão-só o Criador a brincar às destruiçõezinhas para entreter a modorra da eternidade.
E agora que a crónica já caiu, já escorregou e já choveu, nota final para uma pena minha: a de não ter estado nem dia 16 nem dia 17 na Azambuja. Havia lá teatro de revista com participação do antigo herói romântico da minha Irmã – o senhor António Calvário. Antigo, quando muito moço, Rei da Rádio, Ídolo TV (sem favor e, sobretudo, sem comparação com as celebridades de cocó dos nossos dias), é homem que ainda por aí canta e por aí faz pela vida ainda. “Mais Riso É o que É Preciso” se chamava a tal revista.
Quanto a mais siso, vou ali ver se chove.


15/10/2015

Rosário Breve n.º 427 - in O RIBATEJO de 15 de Outubro de 2015 - www.oribatejo.pt

Foto de Helder Jorge Tomás Medina



Bockas à saúde do infante

1. No lugar de Cavaco, eu nomearia Governo a partir de um bando de passarões executivos provindos da Unicer, da Mota Engil, do Grupo Lena e do (velho) Novo Banco. Primeiro-ministro: Marinho e Pinto, talvez. Ou melhor: o Sérgio Sousa Pinto.
Das duas primeiras corporações, dúvida nenhuma: o corrente ministro da Economia foi todo superbockeiro-superrockeiro; e o outro Coelho, que é Jorge, também sai da cartola a preceito, caiam as pontes que caírem.
Das restantes duas, a malta sabe muito bem o duplo motivo por que as nomeio: Etc.-Etc.
O heterónimo santareno da Unicer é a Rical, ali à Quinta do Pinheiro, na Portela das Padeiras. Coisa de centena e meia de trabalhadores vem para a rua depois das eleições. (Ponho em itálico o “depois” por ser importantíssimo – não foi antes, foi logo depois: a lealdade manhosa é uma coisa muito bonita, Pires de Lima que o diga.) Vale que, hoje em dia, “vir para a rua” não é sinónimo de “despedimento” mas de “requalificação”. Ou de “inconseguimento”, como diz aquela patusca que agora foi para aqui chamada não sei porquê. (Não sei mas sei.)
Todavia, de repente (Tchárán!) e em estilístico golpe-de-rins, passo a falar de mim mesmo:

2. Sobrevivi a uma infância feliz – toda a gente importante era viva e de vez em quando havia laranjada. Era só por festa, valha a verdade, mas existir era já de si e por mim uma festa. De quando em vez, portanto, gaseifrutavam-me o palato marcas deliciosas como a brisa no rosto à beira-rio: a Bussaco do Luso, a lousanense Serranita, a leiriense Superfresco ao litro, a rotunda Laranjina C da mafrense Venda do Pinheiro e a modesta Rical, que nos meus anos mais verdes eu não relacionava ainda com Santarém. As caricas de todos estes vidros bocais serviam-me para fazer ciclistas movidos a mola de dedo médio com o polegar a fazer de comutador-de-tiro. Não havia ainda Coca-Cola, havia só ditadura – e os despedimentos colectivos não podiam ser notícia. Em democracia, felizmente, já podem.
Entretanto, e ao jeito de hemorragia indolor, esvaiu-se-me a infância.

3. Noutro repente golpe-renal, a cerevisia escancarou-me os portais da vida pós-menino. A Fábrica de Cervejas de Coimbra era a escassas centenas de metros da minha porta. É hoje uma pilha de escombros. Como o é, mesmo ali ao lado, a Triunfo das massas, bolachas e rações. E a Estaco das louças sanitárias. E o Jaime Dias dos transportes internacionais rodoviários: ruínas, ruínas, ruínas, ruínas. Da minha terra, a cerveja era A Cerveja. Aguava-a o Mondego. O melhor cereal a encorpava. Marcas sublimes: a loira Topázio e a negra Ónix. Nota importante – com a desaparição destes honrosos e bebíveis ex-libris da cidade de Coimbra, aderi à horda de mamões da SuperBock. A Outra (leia-se: a Sagres) era mais quando não havia a Super. Até ontem.

3. Até ontem – porque, em solidariedade para com a ronda de centena e meia de pessoas desbaratadas da Rical/Unicer, vou desBockar-me, se bem me entendeis. Tenho pena, mas a ex(?)-patroa de Pires de Lima deveria tê-la também. Pena, digo. Porquê? Porque eu, praticamente sozinho, e nos meus melhores anos, constituí coisa de 8,3% do produto interno líquido (naturalmente líquido, meu bruto) da Unicer. Nestes já muitos anos meus de glorios’eufórica espuma-dos-dias & de intensas noites fermento-levedadas, a cervejola do Pires de Lima foi para comigo de uma fortuna inexcedível. Foi a minha alta boazona de tipo nórdico. Foi o mote (à pressão como à botelha) de muitas voltas em verso. Foi o antídoto da solidão intermultitudinária. Foi o eco da minha mudez. Foi à grade e foi ao barril. Foi com tremoços & amendoins e sem amendoins nem tremoços. Até à véspera de hoje. Pelas consabidas e expostas razões minhas. Falo a sério, não duvideis. Tão a sério, que me parece ser revisitante da maravilhosa mocidade perdida minha. Eis-me, ó abençoados rins golpistas!, de novo infante.
De Sagres.


08/10/2015

Rosário Breve n.º 426 - in O RIBATEJO de 8 de Outubro de 2015 - www.oribatejo.pt

Para afinal tão pouco

Sonhei que era José.
Que era José e proprietário senhor de um solar de, precisamente, sonho.
Finjo que a dormir continuo. Sonâmbulo cicerone de bom grado V. serei.
Este é o meu Vestíbulo. Ornam-no contadores de pau-santo, bufete e cadeiras seiscentistas cuja gravidade faz cismar – cismar no que, objecto, dura; e no que, sujeito, não perdura. Os anjos talhados em madeira policromada são, como a infância e como a velhice, barrocos. Há pintura Italiana e há pintura Portuguesa, que o resto da Casa reiterará. Há a maravilha das faianças nacionais, quando ainda tal indústria cometíamos. Há tapeçaria de Arraiolos nimbada da ancestralidade de Seiscentos & de Setecentos.
A Primeira Sala honra a memória do senhor meu Pai, que no sonho é Carlos. E Malhoa, o nosso Grande José Malhoa, pintou-o a cavalo: selas pespontadas a veludo & prata, contentes xairéis & felizes telizes bordados também e ricamente também brasonados – de XVIII. Madeiras e couros guarnecidos a pregaria.
A Segunda Sala é Sacra: meditabundos relicários, figuras presépias sob a tutela da Sagrada Família, capa de asparges & casulas, frontal de altar, mais tessituras arraiolanas.
Átrio e Escadaria acedem ao Andar Nobre. Andai, vinde comigo, não permitais que a solidão me caustique na derivação já não de todo adormecida.
Painéis de azulejo português ruralizam o olhar chacota-vidrado. O patim escadariandante gentil-humaniza o Visitante feliz. Há cópia, por Hidalgo de Caviedes, do Velásquez de “Los Borrachos” – estamos em família, ó como eu degustadores da vínica ambrosia! Primeiro e Segundo Andares, todavia, nos querem. Defiramos deles o apelo.
Formosas porcelanas orientalizam e indianizam a soporífera visitação nossa. Somos como faunos em bosque enxuto. De cerce, minha Irmã Margarida olha-nos nos olhos. Carlos & Eugénia alastram amor nidificado: olhai-lhes, a nós, os Filhos. A minha materAvó é Condessa – de Podendes. Podendo, sabei que meu paterAvô era já José: como eu & como Mestre Malhoa.
Impossível, sei-o bem (e não sem laivo ligeiro de leve angústia o sei), em coisa de oníricos 4240 caracteres (671 palavras, incluindo espaços), sonhar convosco a Casa toda. As casas só são todas, afinal, quando perdidas. As Salas sobrantes não são labirínticas, isso não são, mas são maduras como frutos multiplicados: a das Colunas, a de São Francisco, a dos Primitivos, a de Boileau, a de Parquet, a das Aguarelas, a de Jantar; a Galeria Verde; o Salão Renascença (ou dos Arraiolos); a formosíssima Biblioteca. Ai! Alma & calma, todavia: não acordámos ’inda. Mais V. digito um pouco.
Antecâmara de música camarária também – benévolos fantasmas de quinteto a assolam benignamente: meu Avô Zé com César MacKee, Lambertini, José Carneiro & D. Luiz da Cunha Menezes. Profusão (e confusão, talvez; e efusão, decerto) de idades & preciosidades: Soares dos Reis, Domingo & Márquez, Coypel, Rubens (o Pierre Paul, que temo ainda me lo roubem), Madrazzo, Stevens; Bordalo, mais Malhoa, Zurbarán, Josefa de Óbidos (talvez). Substanciais substantivos também: mognos de uma polidez austera, ferragens douradas como as celestes linfas e como as ninfas fluviais, aguarelas de águas belas, gravuras assuntando mitologias pagãs fora da jurisprudência censória do Vaticano, vitrines claras como nórdicos olhos, bustos que sonham com o resto do corpo, fogão aprazível, relógio mortífero & dois obeliscos à egípcia. E mármores de veios claros, claro.
Ui, porcelanas de Saxe! (Sou rico, no sonho; no sonho ao menos, abastado sou.) Ezequiel Pereira. Carlos de Haes. Vista Alegre (muito alegre). Marfins. Essência indo-portuguesa da memória viva. Simão da Veiga, Mesdag & Silva Porto. Não podemos parar. Mas arretar & arrestar-nos devemos. Mais do que vida, breve é a crónica. Mais do que a crónica, o sonho é breve.
Um pouco mais ’inda, todavia: relíquias flamengas que não são queijo; barros policromados de Luísa Roldán (talvez); Nicolau Boileau (que baptiza de seu nome a Sala) figurado a escultura em biscoito-de-Sèvres. Há Delacroix (Eugène). Há um Desconhecido atirado a Vénus e os Amores; outro Idem em Cena Bíblica. E há, enfim, que despertar.
Desperto em Alpiarça. Estou só. Sou José Relvas, é minha a Casa dos Patudos. Acontece Outubro. Vou a Lisboa proclamar a República.
Para isto.


02/10/2015

Rosário Breve n.º 425 - in O RIBATEJO de 1 de Outubro de 2015 - www.oribatejo.pt



Abrantes à Frente

Em Fevereiro de 1922, o jornal Ecos de Tomar tabulava o seguinte quadro (tudo sic):

População do Concelho de Thomar
Em 1 de Dezembro de 1920

Alviobeira…. 1030
Asseiceira…. 3175
Beberriqueira…. 2865
Bezelga…. 1462
Carregueiros…. 1959
Casaes…. 3611
Junceira…. 1426
Madalena…. 2648
Olalhas…. 2514
Paialvo…. 2936
Sabacheira…. 1629
Serra…. 3810
Tomar….  8108

Total…. 37176”

Em adenda, uma lista que hoje nos pode parecer estranha mas cuja notação deveria ser demograficamente importante naquela era em que o saudoso senhor meu Pai (nascido em 1917) perfazia três/cinco anos de idade apenas:

No concelho
existem:

Cegos dos dois olhos…. 38
Cegos de um olho…. 56
Surdos mudos…. 21
Alienados…. 12
Idiotas…. 27
Aleijados…. 118”

Ao que ouvi escrever, o sobredito Concelho andará hoje pela casa das quatro dezenas de milhar de pessoas. Não sei pelo seguro – há décadas que não vou à manuelina, templária e tabuleira Cidade Nabantina. Também não sei quantos cães. Quantos gatos. Quantos pardais. Quantos lagostins-do-rio. Sei isto: que há por aqueles arredores uma povoação chamada Galveias. Correspondi-me, no tempo das cartas em papel, com uma pessoa de lá. Foi em 1981, eu era moço e escrevia. Então, ainda não escrevivia, não adoecera ainda de Literatura. Tudo lá vai & p’ra cá não volta.
Alguma coisa alternativa, sei. Por exemplo: o “h” do “Thomar” inicial e titular desapareceu no fim da primeira tábua. Uma das duas formas tem de ser a correcta, suponho. É como na vida: não se pode errar tudo, não se deve ser humano sempre.
Também sei que gastei bons minutos ante o afinal claro e afinal enigmático quadro. Por e para quê determin’especificar tão duramente as cegueiras, as semicegueiras, a surdomudez, a alienação, a idiotia e os aleijões? Fiquei a bater mal da moleirinha. O saudoso senhor meu Pai ficou coxo por volta de 1930. Se, em vez de Coimbra, houvesse nascido em T(h)omar, ter-se-ia safado, em 1920/22, a integrar os 118+1. Isso parece-me retrospectivamente bem.
Qualquer coisa de medievo, de separatista, de preconceituoso se me urdia na leitura de tal apartheid. Até porque a ser, como foi, assim, faltava ali, e falta, muita coisa. O quantos bêbedos, por exemplo. O quantos cornos. O quantos neurasténicos. O quantos depressivos. O quantos deprimentes. O quantos poetas. O quantos solteiros. O quantas viúvas. O quantos nostálgicos da monarquia. O quantos guarda-rios. O quantos polícias. O quantos médicos para quantos doentes. O quantos professores. O quantos desiludidos. O quantos iludidos. E o quantos que eram de fora mas vieram casar-se e/ou morrer ali. Tudo coisa de suma importância, parece-me, que me desaparece.
Enfim.
Tomar, Cidade & Concelho, de hoje – como é? Quantos é? Vai integrar sírios & afegãos & coiso? Urge actualizar a informação. Urge, urge. Disseram-me que, no tal ano postal meu de 1981, a população somava 45.672 habitantes. E que trinta anos depois, em 2011, descera para 40.674 pessoas. Desconheço a lealdade de tais numerações. Confio, todavia, na bondade da ignota fonte numerário-demográfica. Ainda confio qualquer coisita. É como na vida: não se pode desconfiar de tudo, não se deve ser desumano sempre. Mas.
Mas vou querer saber, dia 5 de Outubro próximo, quem em Tomar, Cidade & Concelho, na véspera votou em quem. Aí sim, procederei a limpa e segura actualização. Conforme o total de cruzes pró-coelheiras, pró-portaseiras e pró-costeiras, saberei limpamente quantos cegos dos dois olhos, quantos idem de um só, quantos surdos-mudos, quantos alienados, quantos idiotas & quantos aleijados.
E depois hei-de thomar nota disso.
Abr’antes atrás.




Canzoada Assaltante