18/06/2015

Rosário Breve n.º 412 - in O RIBATEJO de 18 de Junho de 2015 - www.oribatejo.pt


Edward Steichen
Woods Interior
1898
© Estate of Edward Steichen



Coisas que me dão n’alembradura tipo aforismos ou pior


Vou pelo lema estóico tão do agrado do polígrafo (mas Poeta sobre tudo o mais, acho eu) Manuel António Pina e de outros plumitivos de alta e cavalar nomeada tais como Walt Whitman (que Álvaro Fernando de Campos Pessoa leu) e Ezra Pound (que valorizou a tempo e horas um tal James Joyce): Nec spe nec metu Nem esperança nem medo.
Em relação a tudo – ou a quase tudo.
Em relação a todos – ou a quase todos.
Até porque, antigamente, a Ignorância se envergonhava de si mesma. Hoje, forma (des)Governo.
Seria preferível morrer ignorado a viver na ignorância, se viver não fosse, como de facto e deveras é, preferível a morrer.
A 18 de Agosto de 2007, andava eu, não sei já por ou para quê, pela Figueira da Foz. Num repente (mal tive tempo de tomar nota), ocorreu-me esta evidência:
“Um dia, a minha vida será uma sombra numa frase alheia.” Estranhamente talvez, essa certeza serenou-me. Lá estava aquilo do nem-esperança-nem-medo: é que, depois, nem sombra nem sobra.
Já muito antes (por volta de 1994, talvez, teria meses apenas a minha Leonor), me ocorrera algo deste tipo:
“A minha morte já começou, lá nos sítios onde estive e a que não voltarei.”
E é que já.
Outra do género (mas de que não recordo com precisão a data):
“Só a ubiquidade me/nos volveria eternos/s.”
Pois é: só estando em todo o lado ao mesmo tempo nos tornaria indeléveis, quando deléveis é o que somos – basta que morra o último que se lembre de nos botar o nome numa frase para que de todo nos apaguemos. O grande António Osório já, claro e claramente, o sabia, quando se referiu, algures, à “eternidade sem luz do esquecimento.”
Finalmente, pelos estertores da primeira década dos correntes século e milénio, estremunhei certa madrugada com isto já escrito (ou já inscrito, que não é bem a mesma coisa) na mente:
“O amor é cego.
A memória é o cão do cego.”
Memória. Esquecimento. Esperança. Medo.
“Words, words, words”, enfim – o velho Lelo Shakespeare sempre faz e dá sempre jeito.
Por instantes, revivo a tarde de 12 de Setembro de 2007. Dessa vez, a carcaça andava-me pelo Caramulo. Palavreado na cabeça às voltas.
A palavra ente.
A palavra utente.
Para a primeira, isto:
“Nada disto tem a ver com a vida.
Uma coisa é um gajo estar vivo.
Outra coisa é um gajo sê-lo.”
Para a segunda, isto:
“Nada disto usa a vida.
Uma coisa é um gajo estar vivo.
Outra coisa é um gajo usá-la.”
Tudo coisas que me dão n’alembradura tipo aforismos. Ou pior. Poderia dar-me para andar no gamanço ou na droga. Não ando. Ando nisto. (Des)governo-me com estas, e afins destas, verbosas inutilidades. Mas para andar a sério (mesmo a sério e à séria) no gamanço, formaria eu (des)Governo.
Não formo. Não formarei. Falta-me ignorância para isso.
E medo. Falta-me medo para isso.
E esperança (essa usança da espera), coisa de que não sou ente nem utente. Falta-me esperança para isso.
Vou sendo o cão do cego, mas com a devida pulga atrás da atenta orelha.
Pronto. Já está. Crónica feita. Para o ano que vem, outra vez Feira do Ribatejo, vulgo Nacional da Agricultura – mas não há-de ser (iupi!) o Cavaco a inaugurá-la.
Sempre há qualquer coisita de que ter, afinal e sem medo, esperança.

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Canzoada Assaltante