Sou a
favor de o Natal ser de graça
O Natal, dizes tu?
Entre os meus 18 anos e anteontem, sempre
foi uma quadra porreira para borracheiras de porto em manhãs que acabam tarde
às portas da noite, entre rapazes a quem também já morreu alguém e a balcões que
ao contrário da nossa vida eram & são inoxidáveis.
Eu faço que gosto muito do Natal por ser a
época em que ser bonzinho não parece mal. E por ser quando, à entrada do
hipermercado, nos dão de borla um saco vazio da (ou como a) Jonet para à saída
enchermos com ele os bolsos ao Belmiro.
Também faço que gosto muito dos peditórios
ubíquos como a má-sorte & do chinfrim electr’altifalante por todas as ruas e
por todas as praças sem excepção & das velhas evangelizadoras que manquejam
os joanetes à caça do dízimo em nome do jeová brasileiro alternativo.
O Natal é perfeito para encontrarmos
finalmente o sem-abrigo à justa medida do casaco de malha que a nossa ex-sogra
nos deu há trinta anos ao mesmo tempo que dava um de camurça ao nosso
ex-cunhado, soslai’olhando-nos trocista e sibilina como ridente víbora, a
megera. (Também agora fica lá com a filha por remendar, anda.)
Ai o Natal, o Natal! É quando mais
neozelandês me sinto, isto para V. ser o mais franco – rodeado de carneiros que
votam como ovelhas e cheirando a lã cagada como eles & elas.
Tenho fingimento de pena, claro que sim que
finjo que tenho, das divorciadas de perl’ágrimas marejadas por este ser o ano
de o menino ir com o pai, maldita a hora
em que me deitei debaixo dele, por sinal foi noutro natal, como passa o tempo,
isto é ela a rosnar.
A quadra entristece-me um bocadito,
confesso, porque o Governo nunca tem dinheiro que chegue para comprar neve
suficiente a todo o País tal que todo o País se sentisse tipo postal lapão do
Minho a Timor, digo: a Silves, gastam tudo sempre e só na Serra da Estrela, ao
menos poderiam variar de níveo sítio cada ano, este ano por exemplo em
Portalegre, para o ano em Abrantes para o doutor Consciência não se sentir tão só
no solitário alpinismo que a assertiva lucidez crítica afinal é, no Funchal é
que não porque eles estoiram tudo nos foguetes do fim-d’ano e em marinas de que
o mar dá cabo há uma data de milhões de euros nossos. Isso e o ringue de
patinagem do Terreiro do Paço ser de plástico como este ano se lembraram de fazer,
deve ter cá uma piada tipo Malucos do
Riso filmados na Síria à hora-de-ponta.
Confesso ainda: cada Natal, performo a minha imitação preferida. A
minha imitação preferida tem imensa graça (não tem, Graça?) e é a Imitação do
Meio-Peru. Resulta sempre, faz sempre rir muito, é muito barata e é a coisa
mais simples de se fazer. Consiste nisto: não deixo que me matem mas deixo que
me encham de aguardente na mesma. O dano colateral é começar logo, por causa de
tanto porto prévio, a ver o tremeluzir das luzinhas antes de acenderem a
gambiarra ao pinheiro.
O Natal, dizias. É aquilo dos jantares
contrariados com a besta do chefe da repartição, com o imbecil do autarca amigado
com a educadora, com o revulsivo sinapismo do actual companheiro da cataplasma
de mostarda que a nossa ex-mulher é e sempre foi e sempre há-de ser, bem te
lixas que este ano o Menino (percebeste a maiúscula?) é comigo.
Ou então, não.
Ou então, nada disto.
Digo: tudo isto na mesma, mas outra coisa
ainda – remanescente, vera e de vidro daquele que não corta. Esta coisa assim:
Eu ter dezoito anos sem anteontens, ninguém
me/nos ter morrido e não ser preciso nem porto nenhum nem aguardente alguma. Aí
sim, o Natal seria e teria, Maria, outra coisa. Outra graça.
Não teria, Graça Maria?
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