De ferreiro mau, só
espeto de pau
Davam as cinco da tarde na passada segunda-feira, 14 do
corrente, quando os secretários de justiça notificaram, por todo o País, os
escrivães de direito das secções judiciais, informando-os de que, afinal, os
funcionários judiciais sempre podiam sair do trabalho às 17 horas. Mas atenção
– desde que sindicalizados. Os outros, não. Os outros tinham (e tiveram) de
ficar até às 18h00m. O episódio, rocambolesco, histriónico e bufo à maneira das
mais velhacas e mais tragifarsantes operetas, só pode ter feito rir na campa, e
à gargalhada, o velho George Orwell. Sim, o mesmo Orwell que, em O Triunfo dos Porcos (Animal Farm, no original), já tudo
dissera quando estabeleceu que “todos os
animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros.”
A anedota triste (mais uma) tem história e tem cronograma.
A saber:
1. A 2 de Agosto último, sai a Lei
n.º 68/2013. Nela se “estabelece a
duração do período de trabalho dos trabalhadores em funções públicas”.
Novidade: aumento da carga horária, ordem de passar a sair só às 18h00m, em vez
de às 17. A entrar em vigor no dia 28 do seguinte Setembro.
2. O Sindicato dos Funcionários Judiciais
interpõe providência cautelar de suspensão de eficácia a 30 de Setembro.
3. A Direcção-Geral da Administração
da Justiça (DGAJ) insiste na “obrigatoriedade
do cumprimento imediato da Lei 68/2013, de 29 de Agosto”.
4. 11 de Outubro : o Tribunal
Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL) vê pertinência na providência
cautelar interposta, dando-lhe razão e provimento.
5. A DGAJ ordena então o exposto no
início desta crónica.
O episódio é deveras velhaco, bufo, histriónico e
rocambolesco. E poderia não sê-lo, caso a DGAJ soubesse ler decisões. A decisão
do TACL dá razão a TODOS os funcionários judiciais, sindicalizados OU não. E
mais: a decisão do TACL até ensina aos mandadores do sistema que, para obrigar TODOS os funcionais judiciais,
sindicalizados OU não, a trabalhar mais horas pelo mesmo dinheiro (ou por
menos, como se tem visto de mês para mês), há que alterar uma coisa chamada
LOFTJ, id est: a Lei de Organização e
Funcionamento dos Tribunais Judiciais, que consagra, entre outras minúcias, o
Estatuto Próprio de Carreira dos Trabalhadores Judiciais, esses inimigos do
Estado em geral e deste desGoverno em particular.
Querem mais uma hora de borla, querem? Não pode ser, olha
a LOFTJ. Mas é claro como água turva que, se agora não se pode, depressa se vai
poder – e com h depois do p: é que, a 26 de Agosto último, três
dias apenas portanto da tal Lei 68/2013, saiu a Lei 62/2013, que visa a
organização (ou, digo eu, requalificação,
ou degradação, ou destruição) do sistema judicial. Esta
marosca-de-rabo-de-fora traz no bico a alteração do tal Estatuto Próprio de
Carreira dos Trabalhadores Judiciais (TODOS, p’s ’tá claro). Alterado este, vai
de hora diária suplementar e nada de refilar, qu’isto já não são 25-d’abris.
Li os documentos que acima vos crono-enumerei. São
orwellianos. Informam e enformam (e enfermam) a desengraçada realidade triste
dos tristes dias sem graça que vivemos penando, sem culpa formada embora. A
decisão do TACL, porém, é de despachada (e despachante) clareza. E de minuciosa
pedagogia seria até, no caso improbabilíssimo de os desmandadores ministeriais
preferirem, a escrever por linhas tortas, saber ler (a) direito.
Em casa de ferreiro,
espeto de pau –
quando os próprios desmandadores da tutela não sabem a quantas andam (sabendo
embora para onde querem ir, os maganos), mau-Maria. Curial seria que a cúpula
da Justiça soubesse na ponta da língua a tal LOFTJ, por mero mas não
despiciendo exemplo, mui especial e nomeadamente no que consta dos artigos
122.º, aprovado pela Lei 3/99, de 13 de Janeiro, e 152.º, aprovado pela Lei n.º
52/2008, de 28 de Agosto. Por aí veriam qual é, por lei e por direito, o horário
de trabalho dos Funcionários de Justiça. Mas não sabe. Ou não quer saber.
O mínimo que destas caricaturas processuais o Público (tu
e eu, Leitor/a) pode concluir, não há que nem como negá-lo, é que nem o ferro é de pau, nem o ferreiro
percebe de espetos.
(Nisto, ouve-se de novo o Orwell a rir-se na tumba: mas,
para aliás não grande admiração geral, a gargalhada dele tem o timbre vocálico
do, valha-me Deus!, Marinho Pinto.)
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