Crónica para ler ao altifalante
1. São estes os últimos dias da
campanha para as Autárquicas/2013. Por todo o País, viaturas entestadas de
altifalantes rastreiam por becos, vielas, travessas, ruas, avenidas e praças o
ladrar roufenho da propaganda. É som que me melancoliza: lembra-me sempre, por
irrecusável e irredimível homofonia, a presença antecipada dos circos. E pior:
traz-me dos antigamentes a camioneta dos sorteios dos cegos por cercanias do
Natal. Ou, das feiras, o casal de microfone enrolado em peúga a vender colchões
milagrosos a velhinhos de arruinadas ortopedias e enxovais mijados a noivas já
prenhes.
Tenho já idade a suficiente, todavia, para que a minha
propensão merencória se não alcandore a critério de aferição. Este vozear a
pilhas altífonas & megafónicas do vota-neste-vota-naquele é, afinal, quanta
música a democracia local sabe cantar. Mas antes essa cantiga, afinal e
deveras, do que o silêncio sepulcral das nomeações a dedo do tempo do Morcego
Eunuco, vulgo Salazar.
Que eu não tenha expectativas, é moléstia pessoal só. É só
enfado incréu meu. Agora que o País as não tenha, aí já fia mais grosso. Casos
há e autarquias há em que um mínimo de bondade prática é exercido nos ínfimos
meandros da quotidianidade. São excepções, todos o sabemos – mas a regra é ir a
votos sempre, posto que muita e muito boa gente sofreu em combate as sevícias
da ditadura para que os vindouros (que nós somos) pudessem errar à livre
vontade sua no boletim democrático.
Eu sei, eu sei: “eles” não vão para lá para nos servirem
mas para se servirem. Nem todos, porém. Conheço casos de gente eleita cujas
clara honestidade e competência irredimível são irrecusáveis. Trata-se, no
fundo, de sabermos, como eleitores, identificar os gatos e os ratos, votando no
cão. No lobo, não.
2. Até lá (dia 29 do corrente), não
nos doa a cabeça nem nos apodreça o dente. Ao morredouro quotidiano do tostão, saibamos
opor o lingote do bom sol português, que o Outono já oficial ainda não soube,
ou não quis, desveranizar. Foi o que fiz no sábado, 21. A minha mais nova quis
ir ver a primita, neta da minha irmã. Través a fornalha reverberante da tarde,
soubemos merecer, na casa que foi de nosso Pai quando infante, a frescura das
grossas paredes de uma alvenaria mais antiga do que a morte dele. Houve refresco
de café lambido a limão em gelo. A minha sobrinhita-neta, que se chama
Margarida, não estava – mas a minha Teresa não esmoreceu por causa disso. A
minha irmã (que é Lucília, cuja etimologia é luz por a razão óbvia do que ela é
em pessoa) foi buscar os álbuns das fotografias familiares. E então a Teresa
folheou o Pai dela quando mais novo do que ela – e quando os cães altifalantes
das eleições, que então nem havia, não altiladravam por becos, vielas,
travessas, ruas, avenidas e praças a local e nacional e patriótica democracia.
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