País(agem) com Nuvem
Por um fim de manhã do débil Agosto corrente, dou por mim ante a Nuvem. Desconheço se se trata de um exemplar morfológico do tipo estrato, nimbo, cirro ou cúmulo. Com a idade, apercebo-me (não sem paradoxal contentamento, aliás) de que desconheço mais cada vez mais coisas.
Em frente a esta crónica óptica, sob a Nuvem, o disparador de água do jardim da freguesia entrecorta o jacto regador com chapadinhas nervosas e aritméticas. Ao alto, à contraluz da campânula azulejada (o Céu), a Nuvem é de face plúmbea, pré-pluvial, carrancuda, tremenda e inocente. Quedo-me sem pressa na contemplação dela: a ourivesaria solar, tíbia embora, reborda-a de vaporosa neve, como se as polegadas do divino artista estivessem maculadas de uma pureza a que já ninguém está habituado por causa da criminalidade fiscal.
A meu lado, na esplanada, excitada de nervosa doçura pela irrupção na praceta de um cão de marca Rafael (meio Rafeiro, meio Daniel), uma bebé grunhe onomatopeias de babujada saliva. Observo o cão eu também, mas atento-me à nuvem: preciosa rosa de água suspensa, alta testemunha dos nossos desgoverno e desconcerto humanos, efémera guardiã do sideral Grande Nada que tão depressa jura Deus como mata rodoviariamente famílias emigrantes à vinda de Fátima.
Nuvem: isto aqui em baixo é sempre terça-feira. Ou: isto aqui, Nuvem, é sempre em baixo. Mortal e coisa, a nossa vida pasma e plasma-se à mercê ríspida das varejeiras que facilitam e abreviam os despedimentos em lugar da afinal cristã obrigação da criação de emprego.
Vale-nos que não será, não ainda, amanhã que as mesas de matraquilhos passem a emitir recibos electrónicos sobre 50 cêntimos com IVA a 28% sem chance de retenção na fonte.
Talvez por isso, neste fim de manhã outonal já, apesar de aind’Agosto, eu sinta, ante e sob a Nuvem, que vale a pena persistir no amor incondicional, irracional e colectivo-genealógico ao País e à Paisagem dele: saracoteada a água da Junta que à relva muito verde asperge sob o quas’azul do Céu, não tarda temos aí chuva.
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