25/07/2018
14/07/2018
13/07/2018
05/07/2018
ADEUS, PAPEL - Rosário Breve n.º 562 e ÚLTIMO EM PAPEL in O RIBATEJO de um destes dias de Julho de 2018 - www.oribatejo.pt
Adeus, papel
Na
passada segunda-feira, 2 de Julho de 2018, o telefonema de um Amigo
anoiteceu-me a manhã. Reservo-me por enquanto o entristecedor motivo. Narro-Vos,
todavia, o que se seguiu a tal.
Saí,
a sós como toda a vida, às minhas vielas natais. Escolhi uma esplanada discreta
para acampar a tristura portátil que me é própria. Perto, num largo
embolorecido pelos séculos perdidos, soava o realejo electrónico de um cego
esmoler tão pobre, mas tão pobre, que nem macaco tinha. No chão, a escudela de
baquelite acolhia dezassete centavos, perdão, cêntimos. Demasiado porosa a
estas merencórias & lacrimosas realidades, a matéria virtual da mente azedou-se-me
mais ainda um bocadito. Pior: pus-me a reler Camões. Não reli muito: fechei
depressa o canhenho de sonetos desse glorioso desgraçado. Viver atrapalhava-me
o existir. Pus-me a assobiar baixinho. Foi então que, a páginas tantas só agora
aqui escritas, passou uma senhora mais formosa ainda do que o sol de Inverno.
Deveria
ser da minha idade. Não era de corpo nado mas esculpido. Aquilo nem era andar –
era florescer. Ou: era flores ser. De zénite a nadir: cabelo lambido a luz,
fiado aqui & ali a encanecida prata natural; olhos feitos de cinza de
lareira em que refulge ainda a queimadura do ouro; nariz perfeito, cleopátrico,
mortífero; boca única, de um vermelho biológico sem tinta francesa; dentes que
morderam a maçã do Éden; colo de hipnótica simetria sustentando o alabastro do
pescoço; braços de mármore respiratório; mãos impossíveis, com algo de aranha
uma, de mariposa outra; ventre nunca tocado; pernas de cisne próspero; e
pèzitos de tal insignificância volumétrica, que me causaram o desejo de
ofertar, à dona deles, framboesas que não posso & versos que não sei.
As
coisas, portanto & afinal, recompunham-se: a beleza alheia é paliativa da
nossa íntima feiura. O meio-dia já era. Eu não almoçara ainda, nem de seguida o
fiz: o pão-nosso-de-cada-dia é contra as hipersensibilidades doentias como a
minha. A passagem da dita senhora tivera todavia para comigo a bondade & o
condão de desempobrecer a hora amargada pelo tal telefonema do tal Amigo. Nisto,
o telemóvel guinchou de novo. Era o meu mui querido sobrinho Zé Daniel. Ele
fazia anos, eu mandara-lhe uma festiva lembrança de amor. Sequência &
consequência: foi ele afinal a dar-me uma prenda. Esta prenda: vai ser Pai em
Dezembro próximo, tornando-me tio-avô pela quinta vez na vida. Muito
provavelmente, de uma menina. Quinta sobrinha-neta, aliás: os meus sobrinhos
& as minhas sobrinhas parecem avessos a gerar rapazio macho.
Definitivamente, a segunda-feira volvera-se-me vitoriosa, poalhada de grácil
glória, nimbada mesmo de uma algo desaforada ilusão de perpetuidade.
E
quanto ao tal telefonema matinal de tal Amigo? Era a dizer-me que O RIBATEJO acaba em papel a partir desta
mesma edição. Mágoa & impotência: foi o que senti (e sigo sentindo). Este
Jornal foi o meu mais seguro porto, o meu mais hospitaleiro abrigo – durante
onze anos, um mês & nove dias (a partir, precisamente, de 25 de Maio de
2007). Um mero riscar de fósforo à chuva. De mil pequeninas mortes, enfim, se
faz cada existência. Mais: o mundo não pertence aos sérios, pertence aos
espertos; a realidade não se pauta pela honestidade, mas pela manha; e o tal
pão-nosso-de-cada-dia não é de quem o trabalha, mas de quem o usurpa.
Em
papel ao menos, O RIBATEJO acaba hoje
& aqui. Só posso, agora, deixar aqui um derradeiro sinal de gratidão às
pessoas que ao longo de quase 33 anos fizeram o Jornal, honrando-me
profundamente ao me considerarem como uma delas. A esses grandes profissionais
sou todo grato – a eles e aos/às Leitores/as, que alguns tive por & para
minha boa-sorte. Saudades de Coimbra a todo o Ribatejo.
A
senhora muito bela passou sem deixar nome – mas a minha novel Sobrinha-Neta
nasce em Dezembro. Oxalá que a 25.
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