Dois óbitos &
uma dívida
Na
passada semana, o obituário nacional viu-se acrescido de dois nomes
(re)conhecidos por quase todos nós, Portugueses: o do multimilionário Belmiro
de Azevedo & o do músico Zé Pedro.
Do
hipermerceeiro propriamente dito, parece que tinha uns milhões de euros; quanto
ao guitarra-ritmo dos Xutos &
Pontapés, os milhões que detinha eram de amigos & admiradores.
Belmiro
pertencia àquele um-por-cento do
mundo que está na raiz directa do que acontece aos irrelevantes noventa-e-nove percentuais do resto
demográfico do planeta.
Nenhum
rancor nem inveja alguma me movem contra a imagem do engenheiro. Associei-o
sempre, todavia, a baixos salários, a empregos precários e a carreiras
profissionais sem depois-de-amanhã. Mas não criou ele muitos postos de trabalho?
Decerto. Só que a grande massa dos (sub)assalariados do rol de pagamentos do
engenheiro Belmiro não há-de ter muita cera votiva a derreter in memoriam do plutocrático defunto. O
hipercapitalismo é um anti-humanismo: e ninguém me tira deste convicto finca-pé
ideológico-económico.
Já
Zé Pedro me parecia de outra dimensão. Tipo do eterno-jovem, sabeis? Genuíno,
de sorriso leve sem leviandade – uma estrela humilde, enfim.
Não
seria um génio musical – mas também nunca se armou em tal. Interagia como peixe
na água com as múltiplas gerações de músicos que admirou e que o admiravam.
Para (muita) pena minha, não pude assistir, aqui há uns anitos, no estádio da
minha Cidade, à abertura dada pelos Xutos
ao concerto conimbricense dos sempiternos (até mais ver) Rolling Stones. Sei de fonte-limpa que tal actuação foi uma das
mais altas alegrias da & na vida dele. Ele & os companheiros
“aqueceram” a multidão para os senhores que se seguiam: Jagger, Richards, Watts
& C.ª. E fizeram-no à maneira de “homens
ao leme”.
Em
outras paragens, no entanto, assisti aos Xutos
ao vivo. Era gratificante a mescla de idades do auditório: avós & netos
& maduros & noviços devolviam unissonamente aos músicos os muitos temas
celebrizados por esta banda começada aos 13 de Janeiro de 1979.
Morrer
de juventude aos 61 anos não me parece bem. Curiosamente, a má-nova do
passamento de Zé Pedro trouxe-me à lembrança um tal António Variações & um
tal (esse sim, genial) Bernardo Sassetti. Ardis da memória.
Para
todos nós, com ou sem milhões de euros e/ou admiradores, a Lei é material,
concisa, orgânica & inexorável: nascendo, cometemos o primeiro acto
necrológico. Não sei se, da imensa fortuna que acumulou em vida, restará agora
a Belmiro de Azevedo alguma moeda com que pagar ao barqueiro do letal rio – mas
sei que lhe pagámos sempre o que lhe comprámos. Por conseguinte, contas aviadas
com ele.
Todavia,
é ao artista Zé Pedro que ficaremos para sempre a dever alguma coisa. E essa “alguma coisa” não se vende em
hipermercado algum, senhor engenheiro.
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