Palavreado com
discreto remate pessoano
Anotei
a passagem, que agora dou à publicidade por partilha convosco. Para mim, são
palavras que vingam pela infeliz actualidade: como se os séculos XIX & XXI
se mesclassem os idênticos algarismos romanos por que são nomeados. Veja-se
isto da Alemanha, mesmo agora: outro camião, outro assassino, outras vítimas
mortais; isto da Turquia, com um assassinato em directo à hora da janta; isto
tudo da Síria há tantos anos/séculos. Há pouquito, o Vietname, El Salvador, o
Iraque, o Afeganistão, Timor-Leste – e mais uma imparável carrada de etc.
Não
acho nada que a religião tenha a ver com isto. Trata-se do costume: petróleo,
diamantes, narcóticos & matérias-primas essenciais ao forno devorador das
grandes produções e dos consumos multitudinários. Trata-se da voragem do Poder,
enfim. Deus, chame-se ele Alá ou Jeová ou Manitou ou Zeus ou Júpiter ou Inti ou
Rá ou o Diabo por eles todos, pouco é para aqui chamado. Não alimento quaisquer
ilusões quanto a isto. E não, não vou com
o Pai Natal ao circo.
2 Então vou aonde?
Vou, como os marinheiros fazem ao barco, pôr ao largo o coração. Como o que
matou Bruce Lee não foi a brucelose, é descontraído que atiro as passadas
aeróbicas rumo à minha doença favorita: ver o mundo local com olhos de lápis. É
sempre maravilhoso. Exemplo imediato: passagem do Serafim das Arrufadas a bordo
de um transatlântico novo – o titanic do
dia é uma brasileira egressa de Goiás
que ele conheceu durante um Sporting-Arouca ali naquele alterne logo a seguir
às bombas da Repsol, vocês sabem e estão mesmo a ver. Adoro ver o desplante de
satisfação reverberando nas trombas do Serafim: de Rôsemére do lado direito
& a tilintar do esquerdo o porta-chaves do Mercedes importado de Frankfurt
em sétima-mão (como a Rôsemére, aliás – digo: a sétima-mão, não a cidade das salsichas-de-lata).
A felicidade é coisa tão pouquinha de tão fácil, pois então não é? O Serafim
não é desses lingrinhas dados ao verso-livre ou às maluqueiras da pintura
cubista, nem ao dodecafonismo intoleravelmente atonal ou ao polemismo azedo do
tal Teófilo Braga. Não. O Serafim é feliz: instituiu família (tem dois filhos
da Graciete Cabeleireira e um outro de uma estagiàriazita zarolha do Centro de
Emprego), domesticou quatro cães, três periquitos, dois árbitros dos Distritais
& uma porca para o S. Martinho que vem, anda contente com a nova Loja do
Cidadão ao cabo de cinco anos-sant’engrácios, tem pára-raios no canhão da
chaminé – todo ele é, enfim, um civilizado.
Não é daqueles tristes que, tendo medo da própria sombra, nem sombra de si
mesmos chegam a ser. Népias disso. Como ganha a vida com um esquema de facturas-falsas que não dá
trabalhinho nenhum & é sempr’àviar, é muito gajinho para singrar na
política, tipo presidente-da-junta ou menos.
Quem
quiser provas de que só digo a verdade, toda a verdade & nada menos que a
verdade, que vá com o Serafim ao circo: mas do flanco esquerdo dele, que à
direita vai a Rôsemére navegando.
E
é de coração-ao-largo que navegar continua a ser preciso.