A sangue-frio e sem
anestesia
1 A edição passada do
noss’ O RIBATEJO deu justo destaque, de capa e tudo, ao intolerável
arrastamento do problema relativo ao bloco operatório do Hospital de Santarém. Escuso
de sumariar aqui a matéria exposta pelo Jornal: a peça de João Baptista é
plenamente clara e demonstrativa. Se volto porém à carga do assunto, é por um
pormenor que, como popularmente se diz, me fez
espécie.
Trata-se
de uma declaração do senhor presidente do Conselho de Administração do Hospital
Distrital de Santarém, José Josué. Disse ele: “As dificuldades na actividade cirúrgica prendem-se fundamentalmente com
a falta de anestesistas. É o que mais desconforto tem provocado. Podemos ter
muitas salas, mas, se não tivermos anestesistas, as cirurgias não se fazem.”
Quero
dizer isto: há falta de anestesistas porque os médicos não se vêem a si mesmos
como servidores públicos. O sistema permite-lhes a concentração faustosa em
Coimbra, Lisboa e Porto – e a Província que se lixe. Se fossem professores,
teriam de concorrer aonde vagas houvesse – mesmo que a centenas de quilómetros
da própria residência. Se fossem futebolistas, treinariam onde o clube
contratante tivesse o recinto para tal. Se fossem canalizadores, canalizariam
onde fosse a obra. Mas não, eles não: é-lhes difícil suportar o anátema do João Semana. Digo isto assim por ser
exactamente assim que vejo, penso e caustico a realidade. Não serão todos assim
– pode ser-me objectado. Claro que não. As generalizações são perigosas: mas eu
sei do que falo. E os médicos também.
Coimbra,
Lisboa e Porto não esgotam o País. Servem muita gente – mas não servem toda a
gente. As populações do maltratado Interior merecem ser servidas com o mesmo
grau qualitativo de serviço público que as do Litoral e as das grandes aglomerações
urbanas. E insisto: os médicos são servidores públicos. Caso o não queiram ser,
que se dediquem em exclusivo ao privado, deixando em paz a teta da vaca
estatal. Tenho dito.
2 Passo agora a mais
doce assunto. Vinha na edição passada também: “Abrantes tem dois campeões de cálculo mental”. João Bento, Rita
Mascate, Matilde Santos Lourenço e Miguel Diogo Ruivo foram magníficos nas
provas prestadas no âmbito do cálculo matemático. Campeões do mundo, nem menos.
Estes meninos e estas meninas são mais do que o orgulho das respectivas
famílias. São-no também das escolas que representaram – e nosso orgulho ainda.
Na balbúrdia quotidiana de crimes escabrosos, de escândalos
roubalheira-financeiros, de desertificação de lugares & ideias, o João, a
Rita, a Matilde e o Miguel florescem como excepções de contracorrente. Daqui os
saúdo. Quanto mais não fosse, pelo sorriso grato que se me colou à expressão no
acto de leitura dos seus elevados feitos. Concluo assim: se algum destes quatro
vier a formar-se em Medicina, primeiro, especializando-se em Anestesia depois,
que se lembre, sei lá, de que o Hospital de Abrantes pode precisar dele/dela.
Já
nem digo o de Santarém – Abrantes também é gente.