Ou estudo ou nada
Felizmente, o meu curriculum académico não compreende (no sentido duplo de conter e de entender) qualquer cadeira da “universidade” de Verão da JSD.
Digo felizmente
com exactidão: por ser feliz que me sinto com a memória dos meus professores
sérios e com a certeza de ter usufruído de uma pedagogia humanista só p’ra
pessoas. A autognose que hoje posso mostrar ao espelho enquanto raspo o pelame
dos queixais deriva de um lar sólido (ou”estruturado”, como agora é moda dizer),
de uma escola perto e de uma vontade de aprender a que os anos não são capazes
de vergar o espinhaço.
Se a infelicidade me tivesse feito cursar a
tal “universidade” gaiato-citrina, eu seria hoje um palerma vácuo, um enforcado
de gravata, um imbecil irresgatável, uma lesma sintáctica, um caracol
morfológico, uma besta vesga, um assessor solícito, um acólito castrado, um
invertebrado viscoso, um orador afónico, um esterco perfumado, um balão sem nó,
um tumor com pernas, uma unha do polegar roída por prótese dentária, um nojo
literário, um asco de cavalheiro, um cônjuge corno, uma anorexia idiomática, um
assinante do (Amigo do) Povo Livre, um
paulo-bento-contra-a-Alemanha, um dos responsáveis pelas barreiras de Santarém,
um mata-peixes da Vala de Almeirim, um palerma televisivo, um infante sem
infância, um programador do CITIUS,
um ortógrafo indigente, um arrumador a 20 cêntimos no estacionamento
subterrâneo do Jardim da Liberdade, um turista da Águas de Santarém, um colunista de O Mirante, um bilheteiro do teatro Sá da Bandeira, um
actor-fantasma no Rosa Damasceno, um vizinho tê-zero daquele rapaz-escrivão da
Golegã, um artolas patusco da luta contra a corrupção no Cartaxo, um padre sem
fé mas deixai-vir-a-mim-as-criancinhas, um incendiário da Barquinha, um
toureiro zoófilo – e, enfim, um jove’ social-democrata.
Vale-me que tal infelicidade seja, no meu
caso, do mais alto grau de improbabilidade. A escola ensinou-me a pensar com os
olhos. As pessoas não me são estranhas. O social não me aparece como
alienígena. A pobreza material não é por mim encarada como sinónimo directo de
miséria moral. Eu não vou ali ao Gambrinus
canonizar um sucateiro. As escutas que me fizerem ao telefone não me ocultarão
a verdadeira face. Nisto de faces, se me baterem numa eu não dou a outra, mas
troco sim – e a dobrar.
Sempre que a JSD faz uma “universidade” de
Verão, o Verão acaba. E a universidade também. Cada vez que a JSD diz a palavra
“universidade”, as pessoas sérias pensam no Relvas. A “universidade” de Verão da
JSD está para a universidade verdadeira como a Festa do Avante ser não na
Quinta da Atalaia mas na Cova da Iria.
Ou numa das barreiras de Santarém.
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