Há Estado e há instituições particulares que pretensamente acodem a quase tudo o que é desvalido desta vida. O copofonista, o seringas, o portista, o diabético, o alzái-coméquié?, o regicida, o felgueirense - tudo.
O que não há - é uma associação, pública ou privada, que ajude as pessoas que não gostam de Joyce porque o não percebem e as pessoas que não percebem Proust porque não gostam de Joyce.
Não há - mas debiadaber.
5. Pérolas
Já se sabe quem são os costumeiros destinatários da dádiva de pérolas. Ainda assim, mostro (não dou) aqui uma colecção delas. Vivi boas horas e dias lindos no usufruto delas. Depois de vo-las mostrar, faço uma ressalva de rodapé.
Jacques Prévert - Paroles
Ferreira de Castro - A Lã e a Neve
Manuel da Fonseca - Seara de Vento
Manuel Vásquez Montalbán - Galíndez
Paul Auster - The Invention of Solitude
Soeiro Pereira Gomes - Esteiros
Federico García Lorca - Pueta en Nueva York
J.B. Priestley - Time and the Conways
Virginia Woolf - Mrs Dalloway
Fiodor Doistoievsky - Crime e Castigo
Camões - Lírica
António Osório - A Ignorância da Morte
Ruy Belo - Homem de Palavra(s)
Italo Calvino - Seis Lições para o Próximo Milénio
Corrado Alvaro - Pastores de Aspromonte
Rainer Maria Rilke - Cadernos de Malte Laurids Brigge
Sófocles - Ájax
Julio Cortázar - Blow Up e Outras Histórias
Jorge de Sousa Braga - O Poeta Nu
John Le Carré - Um Espião Perfeito
Luiz Pacheco - Exercícios de Estilo
Malcolm Lowry - Debaixo do Vulcão
Dylan Thomas - Sob o Bosque de Leite
Cesário Verde - Poesias
Nicholas Freeling - O Rei de um País Chuvoso
Wenceslau de Moraes - Traços do Extremo Oriente
Bernardo Santareno - O Judeu
Henry James - The Turn of the Screw
Thomas Mann - Montanha Mágica
Raul Brandão - Os Pescadores
Tomasi di Lampedusa - O Leopardo
Graham Greene - O Nó do Problema
Lawrence Durrel - Quarteto de Alexandria
Antonio Muñoz Molina - Plenilunio
Yasunari Kawabata - A Casa das Belas Adormecidas.
Há mais de onde estas vieram.
Uma vez, porém, um anémico mental grunhiu-me que me estava a armar, eu, enumerando livros. Fraca caça me saiu a besta, sinceramente. Tivesse o barba-de-pentelho lido uma página que fosse dos livros acima perlados e outro grunhir lhe fonaria das tripas do córtex, em caso dele.
No olho é um descanso, enfim.
6. 252 Segundos
Não há meio termo, na vida como na arte.
A segunda não raro consome a primeira, mas
não há meio termo.
Não se vai ali à poesia dar uma volta.
Não se vai ali à dramaturgia fazer uma perninha.
Não se vai ali à pintura lamber uma crica.
Não se vai ali a Bach vestido à minhota.
Dignidade é para escrever com as letras todas.
Não se fica pelo gni.
Total envolvimento.
Eu digo - compromisso total.
A vida toda, toda a vida.
Há-de ocorrer-nos a morte, mais que a vida garantida.
Os "artistas oficiais" tocam punhetas porque não se casaram com a arte.
Casaram-se com o umbigo.
Casaram-se com o sofá.
Só não se casaram com a puta-que-os-pariu porque o Édipo se lhes antecipou.
Querem ver?
Uma pessoa vai na rua. No outro passeio, da banda de além, um homem velho cai ao chão, fulminado pelo relógio.
Vêm os paramédicos. Um deles pergunta à testemunha:
- O senhor viu?
Diz a pessoa:
- Vi. Uma pessoa pensa sempre no coração.
No caso de ser um artista total, a testemunha dirá:
- Vi. Foi há quatro minutos e doze segundos.