23/11/2005

O Cedro e a Lua - IV - 6 de Novembro de 2005

HSC, 6 de Novembro de 2005, domingo, 11h33

Domingo. J. foi-se embora para Matosinhos. Veio o pai buscá-lo. Bom rapaz: deixou moedas e todo o tabaco ao velho G., que passa a vida na crava. Dormiu muito, de novo, o Artistonitólogo. Comeu um pequeno-almoço lauto: cinco casqueiros com três triângulos de queijo e duas doses de manteiga. Duas chávenas de café com leite. Ao despertar, pelas 7h30, não havia água quente. O duche foi frio e bom. Depois do desjejum, o Artista dormitou estendido no sofá da sala da televisão. Depois, lagartou no terraço sob o guarda-sol. Está, de feito, um sol glorioso. Nenhuma brisa. Nem parece novembro. Viver nem parece difícil. Mesmo ao domingo, afinal.

Tarde de 6, 14h59

Uma sensação de corpo sujeito a pousio. Boa sensação. Leitura de Alexandre O’Neill (Poesias Completas 1951-1986, edição da INCM). Cigarros calmos, copos de café fraco mas aromático. Pão, batatas, peixe, carne. À noitinha, chá e bolachas. O melhor de tudo tem sido o descampado do sono: sem sonhos, sem fantasmas, sem batalhas, sem freguesia. O duche frio da manhã foi retemperador. O gabinete de enfermagem já chamou o electricista, que veio já e, com ele, o fluxo forte de água quente. Unhas dos pés e das mãos aparadas com vigor, higiene e geometria. Desodorizante, champô, sabão azulibranco, pasta dentífrica e elixir bucal. E O’Neill. (Dei um pão ao Carlitos, que, por vitalício do Pavilhão 2, tem direito a nome por extenso. E também um pacote de açúcar, que lhe administrei às doses na língua. E dei bacalhau à Benfica, que tem passado a tarde a lamber os bigodes noruegueses.) Falo sobretudo com AG., figura suave e civilizada de homem. É de Águeda, foi dando cabo da vida com vinho branco. Quer recuperar a vida e perder de alcance o branco. Tem sérias hipóteses de o conseguir. O emprego mantém-se, a família também. Trocámos endereços e números telemobilísticos. Trocamos palavras, somos vizinhos de cama: eu sou o H24; ele, o H23.

Noite de 6, 18h09

O domingo subiu alto com o sol. Repete a graça com a Lua a quarto crescente. Céu laminado de estrelas, terra estrelada de aldeias – pontos de luz que é possível coleccionar sem possuir, como aos amores de uma vida.

1 comentário:

Anónimo disse...

"céu laminado de estrelas " é lindo. Ai, ai...

Canzoada Assaltante