O Cedro e a Lua é o registo diarístico do meu segundo internamento, entre 4 e 18 de Novembro de 2005, no Serviço de Tratamento de Alcoologias (Pavilhão 3) do Hospital Sobral Cid (Ceira, Coimbra). Por graça, chamo “ornitologia” à alcoologia. É piada pessoal, não ligueis.
Compor um diário não tem nada de especial. Mas expô-lo (sendo, para mais, de cariz alcoológico), pensando bem, para quê? Ou para quem? Na verdade, a pergunta sobrepassa o diarismo e atinge a geral literatura. Publicar (seja, em arte, o que for, realmente, para quê? Tenho esta teoria: para que o artístico exista de facto, depois de, de facto ou não, vivido. No meu caso-
-álcool, de facto-bebido.
Segundo internamento, disse. O primeiro decorrera entre 5 e 18 de Fevereiro de 2005. Já este ano, portanto. Fora o feliz culminar, por assim dizer, de uma longa e pedregosa ascese. Não tenho culpas a atribuir. Nem a nada, nem a ninguém. Ou se a algo, a tudo. E se a alguém, a mim.
Cheguei a Fevereiro provindo de uma amarga decepção sentimental e de uma amargurante desilusão pessoal/profissional. Para mais, via pouco ambas as minhas filhas, não por culpa delas nem por culpa das mães, mas pela (des)vida dita-literária que escolhi (e assumo, e carrego) para mim. De modo que saí do Pavilhão 3 a 18 de Fevereiro e aguentei a seco durante quase seis meses. Herói!
Paradoxalmente, as coisas começaram a correr-me bem desde então. Ofereceram-me trabalho como escritor de teatro e de matérias quejandas numa companhia muito bonita de/em Tondela, uma editora convidou-me para publicar um livro (aceitei, vai sair em 2006, espero), arranjei uma casa com lareira e gata e tudo. Ah, e retomei a companhia do meu amigo Jameson (irlandês, tripla destilação), um fulano de pele de vidro verde e olhos cor-de-ouro que, tomado em jejum, nunca desilude, bem antes pelo contrário. Antes que ele, Jameson, ganhasse o que eu perdesse, voltei a Coimbra. Ao Pavilhão 3, sim. De onde agora regresso com este Cedro e esta Lua. Para que se tornem definitivamente reais. E para vós.
À vossa saúde.
Compor um diário não tem nada de especial. Mas expô-lo (sendo, para mais, de cariz alcoológico), pensando bem, para quê? Ou para quem? Na verdade, a pergunta sobrepassa o diarismo e atinge a geral literatura. Publicar (seja, em arte, o que for, realmente, para quê? Tenho esta teoria: para que o artístico exista de facto, depois de, de facto ou não, vivido. No meu caso-
-álcool, de facto-bebido.
Segundo internamento, disse. O primeiro decorrera entre 5 e 18 de Fevereiro de 2005. Já este ano, portanto. Fora o feliz culminar, por assim dizer, de uma longa e pedregosa ascese. Não tenho culpas a atribuir. Nem a nada, nem a ninguém. Ou se a algo, a tudo. E se a alguém, a mim.
Cheguei a Fevereiro provindo de uma amarga decepção sentimental e de uma amargurante desilusão pessoal/profissional. Para mais, via pouco ambas as minhas filhas, não por culpa delas nem por culpa das mães, mas pela (des)vida dita-literária que escolhi (e assumo, e carrego) para mim. De modo que saí do Pavilhão 3 a 18 de Fevereiro e aguentei a seco durante quase seis meses. Herói!
Paradoxalmente, as coisas começaram a correr-me bem desde então. Ofereceram-me trabalho como escritor de teatro e de matérias quejandas numa companhia muito bonita de/em Tondela, uma editora convidou-me para publicar um livro (aceitei, vai sair em 2006, espero), arranjei uma casa com lareira e gata e tudo. Ah, e retomei a companhia do meu amigo Jameson (irlandês, tripla destilação), um fulano de pele de vidro verde e olhos cor-de-ouro que, tomado em jejum, nunca desilude, bem antes pelo contrário. Antes que ele, Jameson, ganhasse o que eu perdesse, voltei a Coimbra. Ao Pavilhão 3, sim. De onde agora regresso com este Cedro e esta Lua. Para que se tornem definitivamente reais. E para vós.
À vossa saúde.
Botulho, 20 de Novembro de 2005
8 comentários:
Cão, abres a alma como ninguém e espero que isso ajude. Connosco já sabes que contas sempre e julgo que de facto é duro ter que ser abstémio numa Confraria de tintos...
gracias, amigo(s).
de facto, ajuda.
invoca o Régio e diz ao cabrão do Jameson: Sei que não vou por aí!
Fugir com muita pressa à impaciência das teorias, que toda a verdade é supersticiosa.
A literatura e o alcool sempre convieram amigavelmente apesar das consequências.
A tua escrita será a mesma ?
Haverá uma literatura alcólica? Escritores existem, muitos e bons.
amigavelmente? duvido. produtivamente? sem dúvida. ver os casos, entre tantos outros, de edgar allan poe, dylan thomas, fernando pessoa, malcolm lowry, william faulkner.
ao pé dos quais, aliás, sou zero. zerinho. a não ser a beber.
O amigo Jameson que escreva, então, esse filho da puta.
Há méritos que não lhe reconheço. Um deles, o da escrita.
E tu não és zerinho ao pé de ninguém, amigo Daniel. Poderás ser pequeno, mas sabes haver tantos tão mais pequeninos!
Para além de amigo, jornalista, escritor, sei lá, coisas tantas e tão boas, foste um professor ímpar, dos que mais me orgulho. E não precisaste de Jameson nenhum, porque nesses dias eu não tinha professor. E esse senhor Jameson, também me pareceu vê-lo apresentado como "o que reúne os amigos". Amigos? Amigos, uma merda! Onde é que eles estão, agora? Isto só me revolta por seres tão especial, Daniel, só por isso. Por isso é que dói.
O jameson não vencerá. Apesar de celta, não tem magia. Magia tens tu, És tu: Mago do talento, feiticeiro da arte, alquimista que mistura letras em poção e as transforma no ouro original da beleza e do sentido.
Welcome back! We missed you. ;-)
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