Agora neste lugar
solitário a vaidade já não se apaga
O facebook de
antigamente era o lado de dentro da porta das cagadeiras públicas.
A minha geração foi agraciada, até, com esse opus magnum da retretologia que é O
Guardador de Retretes, feliz ideia e prática felicíssima de um tal Pedro
Barbosa, cuja condição de utente de sentinas nacionais & estrangeiras o
levou a tornar-se atento & fiel escriba-mor das pré-facebookianas e
pós-vicentinas cagas merdeiras deste
mundo e dos outros.
A lápis, a esferográfica ou até, em caso de mais
peremptória assertividade, a canivete, essa literatura de trono-de-louça
reverberava de humanidade a mais pungente em lacónica, lapidar e exemplar
concisão epigramática. Em apocalípticas elocuções tão apropriadas ao acto que
ali os sitiava, os anónimos Autores sentados eram capazes, sem outro esforço
que o do alívio tripeiro, do gracioso dichote político, da clandestina demanda
homoerótica, da clássica quadra caralheira e do geni(t)al impressionismo
meteorológico sobre se a Isaura da Camisaria chovia ou fazia sol e com quem.
É com merencória nostalgia que rememoro essas pautas
maravilhosas, essas WCentenárias inscrições de equívoca & esquisita
premência confessional afinal afim daquela que hoje, a grafismo azul-bebé, o facebook prolonga em quantidade mas não,
hélas!, em qualidade – porque, hoje
em dia, os facebookães mais peritos
são no ladrar online do que no morder
em manif.
Por deficiência (minha) de carácter (meu), também eu me
inscrevo no rol triste das tristes selfievaidades
que vociferam indignações de photoshop
e partilham comoções em pps de
florinha-passarinho-criancinha-fominha-áfricazinha, dos que sabem tudo sobre
cada cerimónia dos Oscars mas não
fazem puto-ideia de quem tenha sido o Paulo Rocha de Os Verdes Anos, dos que confundem o legado de Mandela com a chacha
verbodiarreica do hip-hop, dos que
acham aquilo de O Beijo do Klimt
dever ser coisa do instagram &
dos que atribuem a Fernando Pessoa as merdices alquímicas e as pestilentas
banalidades filoteoantropológicas do Paulo Santiago Coelho de Compostela
Carioca.
Antes, muito antes do apenas-isto de agora-hoje, o outro facebook, o das calças pelo canhão
das meias, é que era. A própria profusão oblíqua de linhas & traços à
altura do olhar (por ser muito mais capitosa a escrita durante o acto de
evacuação do que depois da descarga feita e do terceiro-olho papel-higienizado)
nos garantia o fulgurante caos ordenado da Poesia Surrealista, em aval da
vitória (pelo menos íntima, ínfima embora) da liberdade criativo-expressiva sobre
a miséria fecal da realidade.
Todos já reparámos que os dentros das portas desses
filosóficos cubículos já não são nem estão escritos. Atribuo isso a duas
coisas: uma, a ninguém já trazer consigo material de escrita, sequer canivete; outra,
ao facto de as portas continuarem a ser de contraplacado, baquelite ou chapa e
não (ainda não, pelo menos) em plasma, detalhe que obsta à escrita a partir do
telemóvel ou do tablet por bluetooth.
Para ser franco, a única coisa que permanece, e de uma
permanência invencível e autoritária como a morte, é a natureza da necessidade.
Digo: a fisiológica, não a poética. Mas há razões para a esperança: a de, pelo
menos, sempre podermos continuar com merdas.
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