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O Verão de 1991 foi trágico para seis mulheres que, ao longo de quatro quilómetros de uma estrada nacional da região oeste do País, praticavam a prostituição. Uma a uma, as seis mulheres foram encontradas mortas. Os corpos eram trapos tristes. O assassino nunca foi capturado legalmente.
2
As suspeitas mais fortes da Polícia Judiciária recaíram sobre um camionista holandês de grande curso. Detido e interrogado, teve de ser posto em liberdade por escassez de provas. À saída do último interrogatório, o suspeito riu-se para os fotógrafos da imprensa.
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As vítimas apareciam invariavelmente despidas da cintura para baixo, mas sempre calçadas. Ao pescoço, usavam o último colar: um risco de navalhada vermelhejando no alabastro. Nas carteiras, o dinheiro feito na imitação do amor estava intacto.
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Os nomes delas traíam as idades decrescentes: Ivone, 52 anos; Ermelinda, 49; Nazaré, 45; Paula Cristina, 37; Joana Alexandra, 28; e Tatiana Vanessa, 17 anos. Todas tinham vários filhos de vários homens. Ivone, Ermelinda e Nazaré eram alcoólicas. As três mais novas eram drogadas.
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As três mais velhas trabalhavam por conta própria: o movimento que geravam não justificava a cobertura de um empresário. Paula Cristina, Joana Alexandra e Tatiana Vanessa justificavam. Paula trabalhava por conta de um segurança de discoteca. Joana e Tatiana eram protegidas e exploradas por um brasileiro ex-jogador de futebol distrital.
6
Encontravam-se todas as manhãs, muito cedo, no bar da estação de serviço. Comiam bolos de bacalhau e bebiam vinho branco. Tatiana bebia laranjada. Por fazer anos no dia em que foi morta, tinha tomado vinho do Porto. Todas brindaram. Foi a primeira vítima do camionista holandês.
7
O camionista holandês foi morto a tiro de pistola pelo segurança de Paula Cristina. O antigo suspeito preparava-se para encerrar a temporada de Verão com a degola da que seria a sétima das suas vítimas: Maria da Luz, de 42 anos. Maria da Luz trabalhava sozinha. Passou, por gratidão, a alugar-se por conta do segurança.
8
A Polícia nunca pôde provar que o agora empresário de Maria da Luz tinha sido o anjo da vingança. Interrogou-o e libertou-o. À saída das instalações da Judiciária, o salvador não sorriu aos fotógrafos. Meteu-se no carro e, porque anoitecia e era sexta-feira, foi trabalhar.
9
À hora da morte, Joana Alexandra estava grávida. O pai biológico do feto não foi determinado. Não era o holandês nem o brasileiro. A questão e o filho morreram com ela.
10
Por causa da auto-estrada nova, a estrada municipal ensombrada pelos crimes do Verão de 1991 perdeu muita da antiga circulação. Disso se queixam as mulheres vivas que substituíram as degoladas. Disso se queixa também o jovem concessionário do bar das bombas, que, à data dos crimes, era mais novo até do que Tatiana Vanessa.
Foto: Caramulo, noite de 17 de Março de 2007
Texto: Caramulo, tarde de 28 de Março de 2007
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