19/01/2006

Presidenciais


Já não somos povo, mas público. De TV, sobretudo.
Como tal, nenhum de nós leu qualquer documento ou manifesto de qualquer dos candidatos às eleições presidenciais que aí estão à porta. Nenhum de nós verdadeiramente reflectiu sobre o assunto. Quando muito, olhou. Mas nem sequer viu. Ficámo-nos todos pela superfície enganosa da televisão: as frases feitas, os bailaricos, os senhores candidatos a gabar as gastronomias locais, os ranchos, os pauliteiros e os trauliteiros. O costume.
À partida para a primeira (única?) volta, temos D. Sebastião disfarçado de Cavaco. Depois de dez anos de autoritarismos à la Chef como primeiro-ministro, quer agora presidenciar. Guia-o, diz ele, uma vontade de repor Portugal no rumo certo. Pelos vistos, andou dez anos a pô-lo no errado. A figura é estranha num país democrático, dada a ferragem do seu ricto ditatorial, dos seus maxilares mentais e da sua intolerável intolerância. É um arauto do neoliberalismo sem freio. Mas quer ser nosso Presidente.
Também temos Soares, o da tentação monárquica. Numa fase da vida (a dele e a do País) em que o curial seria viajar pelo mundo (mas agora por conta própria…) e coleccionar selos no recato da mansão doméstica, o veterano político quer reinar de novo. Não se percebe porquê, a não ser recorrendo à desmedida ambição de uma figura que se supõe insubstituível, inultrapassável, incomparável, imperecível e imperdível. A realidade adjectiva é, porém, outra: imperdoável.
“Imperdoável”: assim de Soares disse Alegre, o candidato desde sempre socialista agora sem PS-aparelho por trás. O poeta-deputado, que vagamente secretariou no Estado nos primeiros anos da Revolução para depois se assentar de vez no hemiciclo, aparece com irrecusável dignidade na corrida. Ele é o contraponto humanístico possível à sanha economicista-financeira de Cavaco e às inconsequências geriátricas de Soares.
Restam os residuais Jerónimo, Louçã e Garcia Pereira para completar o ramo da Esquerda mais estilhaçada de que há memória numas presidenciais. Todos têm mensagem, todos apresentam forma, todos revelam conteúdo. Mas, para além dos subsídios do Estado às campanhas que chegam ao boletim de voto, o que há verdadeiramente a ganhar quando é de presidenciais e não de legislativas que se trata?
Certo, aparecer junto às fábricas fraudulentamente falidas. Levar aos desempregados o megafone por que possam fazer ecoar a desumanidade da sua condição de formigas operárias despedidas por cigarras neoliberais. Dizer da banca, dos seguros, das multinacionais e dos espanhóis aquilo que todos pensamos mas transformamos, na hora da revolta, em benfica-benfica-sporting-sporting-selecção-selecção. Tacticamente, estarão bem. Estrategicamente, não me parece sequer que estejam.
Resta o quê? A Democracia. A Liberdade. A Televisão. Uma das três anda a papar as outras duas.
Mas o público é quem mais ordena.

9 comentários:

Gabriel Oliveira disse...

Olh'ós D'zrt. Pim.

Anónimo disse...

Os perigos de uma democarcia demasiado mediatizada. Esta deu para seres tu a sorrir? Que a alegria te acompanhe, sempre é bem melhor que a alergia cavaquista. Mas continuaremos a sorrir. Aguardemos.

Daniel Abrunheiro disse...

isso.

Anónimo disse...

A parte que eu gostei mais das televisões, foi quando cortaram a palavra ao Manuel Alegre para botar o Eng. Sócrtes no ar.
Terrorismo televisivo do melhor.
(suspiro...)

Gabriel Oliveira disse...

Com o Garcia Pereira (e a denúncia da patifaria da RTP) foi ainda mais flagrante.
Raio de televisão púdica (perdão: pública) esta a que nós merecemos (perdão: temos).

SDF disse...

estas presidenciais foram a melhor prova de como a partidocracia e a burRocracia asfixiam eficientemente a democracia - que ilusoriamente ainda julgamos que temos...

Gabriel Oliveira disse...

Bem, o meu Jerónimo lá teve uma votação galhardinha... mas termos que aturar o Cavaco 5 anos (ou 10, valha-me deus) é que dói. Merda de gente que elege quem não fala sobre nada. Eu peço desculpa, mas não gosto da democracia. Nem de eleições. E não me venham com a desculpa que é o menos mau, que é muito melhor do que já tivemos, bla-bla-bla. Isso não chega para que eu goste dele. (A mulher mais feia do mundo, ainda que de um dia para o outro passasse a ser a única no mundo, nem assim passaria a ser bonita). Pode até ser o menos mau, a democracia: mas é mau! Irrita-me ver uma maioria de gente iletrada e muitas vezes pouco esclarecida a decidir por mim. O Narciso ganhou com uma cada vez maior percentagem, por exemplo. Diz-se que o Pinto da Costa ganharia as presidenciais de caras. Talvez até o Zé Maria. Apostam que num referendo se decidiria que nas aulas de música das nossas escolinhas, os miudos deviam aprender as músicas do Tony Carreira? Bah... que legitimidade é esta?

Daniel Abrunheiro disse...

Ai Nuno, como te subscrevo...

Anónimo disse...

por mim vamos num caudilho iluminado. desde que seja eu, obviamente. e até passar a usar um capacete de mineiro. viva eu. eu ao poder. não podendo ser eu, atão deixa lá estar o home do bolo-rei. que lhe faça bom proveito e de preferência que se engasgue.

Canzoada Assaltante