18/01/2006

ALMANAQUE VILÃO - 3. Próprios e Alheios

Não apenas os mortos próprios mortos como também os próprios mortos alheios surgem e se insurgem, pouco pacíficos, à vista desarmada chateados com tanta ausência, tanta indiferença lhes votada. Querem acção, parece. Aparecer mais nas conversas, ao menos. Faço-lhes, sempre que posso, a vontade. E tenho podido muito. Nos sonhos, nos cadernos, na extra-realidade (quando ouço música, quando leio L’Illustration do século XIX, quando no jardim, quando em alguma das pastelarias espaciais nocturnas, quando as estrelas se despenham no lago), revivo os mortos próprios e os próprios mortos alheios. Invento até alguns, o que julgo pode ser absurdo em meu haver mais que em meu deve. Tias de renda & gato, defuntas do fígado e/ou da vesícula, que pretendem retomar seus chás de lazareto perpétuo; avôs de bengala-caçadeira de cana, aluídos de trombose, que exigem voltar a caçadeirar inocentes coelhos de história infantil em pinhais geriátricos; bambinos leucémicos de antes da Revolução, revoltados por nunca poderem jogar à bola como os outros; o senhor Sacramento, que continua despertando na morte ao clarim pontual dos galos das 5h13 da madrugada. Todos esses e outros tantos que me não socorrem, antes concorrem dispara(ta)ndo primazias de sol-posto, lunarismos, zodíacos caducados, glaucas epifanias de tristes, pobres defuntos sem outro lugar que este caderno onde cair mortos.

Tondela, tarde de 21 de Dezembro de 2005

2 comentários:

Anónimo disse...

Sorriso. Tem tanto que se lhe diga...

Anónimo disse...

Gostei muito de ler estes últimos textos almanaque vilão. Bons textos!Alguns momentos muito bons.

Canzoada Assaltante