19/02/2006

Boletim Breve

Suponho que envelhecer seja prestar mais e mais atenção à meteorologia.
Ontem, na minha cidade, estive a ver chover.
Choveu bem.
As pessoas, decapitadas pelas copas negras dos guarda-chuvas, eram só pernas.
Um momento houve em que a precipitação até fazia vapor na calçada.
Tive pena das pombas, obrigadas cedo de mais ao recolher dos beirais, talvez com fome ainda.
Circulei pelas zonas de sombra vaporosa: vapor e rosa.
Fui feliz, quase jovem.



Coimbra, tarde de 19 de Fevereiro de 2006

18/02/2006

Sábado, Fevereiro

Outro dia.
A cidade sobreviveu à chuvada nocturna.
Na saleta, deitado sobre grená, estive até horas pardas a ver se a televisão era ou não capaz de sedar-me.
Não foi.
Seguiu-se uma colecção de três sonhos sem interesse narrativo.
Às sete da manhã, o mundo pôs-se a chiar como uma chaleira.
Levantei-me, dei as costas ao espelho e despenhei-me de amarelas águas.
Decidi não fazer a barba.
Aqueci café na cafeteira azul.
Sentei-me à janela da cozinha e deixei passar.
De repente, estou aqui.
De repente, já não.



Coimbra, manhã de 18 de Fevereiro de 2006

17/02/2006

Hoje em Coimbra

Chuva miudinha.
Pessoas fundidas como velas.
Humidade comercial.
Uma menina com acordeão-miniatura.
O rio vertical à chuva.
As árvores inclinadas como cumprimentos.
Na Rua dos Sapateiros, de manhã, o sol,
apertado alto entre prédios,
parecia um chuveiro de ouro.
No Montepio, o homem de cabeleira grande recolhendo moedas.
A estátua escrutinando pombas, recenseada de cocó columbino.
Desci a Ferreira Borges, o coração um pouco apertado na caixa.



Coimbra, 17 de Fevereiro de 2006

08/02/2006

Fábula

Conhece-te nos teus dias e reconhece-te nas tuas noites - disse o Pássaro.
Sim - respondeu a Minhoca.



Coimbra, noite de 8 de Fevereiro de 2005

01/02/2006

Olaria

Uma olaria de sangue - o coração.
As mãos sujas de coração.
As mãos encarnadas escrevendo apelos.
Muitas cartas - um só apelo de barro:
I wish not to die, I wish not to live.

Canzoada Assaltante