13/12/2020

VinteVinte - 152 (IV)




152.

 

ÚLTIMA O. DE CÉU


Coimbra, terça-feira, 29 de Setembro de 2020 




    IV 

    De manhã, o relato compreende aspectos (sobrevoadores) da vida de um Roberto Luís, filho dilecto de um Tomás Estêvão & de uma Margarida Isabel Valforno. Confesso ter sido o mais aprazível entretenimento. Durante bastantes minutos, não me roçou sequer o sentimento de penúria pecuniária que, inapelavelmente aliás, se me volveu estigma. 
    Absorvido o dito relato, restou-me então perspectivar a tarde. A luz abre-se já em grande-rosa. Os elementos dispõem-se por si. Não é já Março de 1971, há muito apareceram mortos os três soldados escoceses em uma vala a norte de Belfast. Esta é uma mal-remediada paz de pobres, a pax portuguesa do deixa-andar. 
    É porém garantida a comida para o dia. Comprei uma caixita de doze lápis bonitos, ainda não estreei qualquer deles. O televisor abre uma janela para The Troubles dessa Irlanda não-republicana das primícias da década de 70/XX. Sempre que religião & política se entrelaçam as mãos sujas, alguém morre por força. Julgo não haver remédio para tal. Encaro a humanidade como túnel sem luz ao fundo. Nem fundo. Esse 10 de Março de 1971 (quarta-feira) é como outro dia qualquer da horrenda espécie a que pertenço. Mas é verdade que tenho pão suficiente para o resto do dia. 
    Roberto Luís, filho de Estêvão, não viveu muitos anos. Viveu muito – mas em intensidade, não em tempo numerado. De facto, viveu menos sete anos do que os que hoje vou perfazendo. Terá vivido mais do que eu, provavelmente. O seu crescente agnosticismo apraz-me, assim como a sua prosa pertinaz. Deixemo-lo porém dormir, lá no alto da sulista ilha. 
    Já decorre solta a minha tarde. A manhã foi útil. Quero que a esta similar resulte o pós-meio-dia. Entretanto, um homem de olhos cinzentos viaja de Belfast a Edinburgh, depois a Dublin. É provável que tenha vindo de London, capital do ex-Império. Anda ele em demanda de informações relativas a obscuras sendas do devir histórico. Também eu ando, mas é outra a minha maneira. Não pior nem melhor, diversa antes. E depois. 


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Canzoada Assaltante