17/01/2021

VinteVinte - 196




196.

 LETRAS PARA TUNAS

 Coimbra, sexta-feira, 20 de Novembro de 2020

 



I 

Era então mirífica a manhã outonal. O casal 
Florentina-Hugo saiu a respirar a frescura. 
Cura ele de oferecer-lhe desjejum prandial 
em local de rio & árvores & brandura. 

Caminham sem pressa por aquela banda da Cidade 
que o pato-bravo ainda não desflorou, insaciável. 
Estável, a temperatura amena dá ’té vontade 
a Hugo de revelar-se-lhe ainda mais amável. 

Florentina frúi tão concertada amenidade. 
É ela a rica, dela o dinheiro, dela a fortuna. 
Já quinto-marido, sabe Hugo mui bem contemporizar. 

Mirífica manhã: mas, ó trágica veleidade 
do fado que tão cerce muda letra & tuna! 
Tropeça Florentina, desfaz a cabeça, ora é só herdar. 

    II 

    D. João Peculiar, fundador do Mosteiro de Santa Cruz, no século XII, deu nome a uma rua dos arrabaldes novos da Cidade. É longe do sítio da devota pedra que ajudou a fundar. Deu – como quem diz. Tiraram-lho, mais bem dito. Passei hoje por essa artéria de urbanização sem história. Foi no caminho de regresso a casa, vindo de visitar o meu Irmão Zé Daniel. Estava fresco, já anoitecera, eram as dezoito do dia. Da noite, mais bem dito. Hei-de pesquisar alguma coisa sobre esse João de Peculiar nome. Seria crúzio, certamente. A ver. 

(III) 

(Ainda
palavra às vezes linda.) 

IV 

Os avós continuam na casa da aldeia, ali querem ficar até final. 
O neto respeita-os, sabe-os felizes ali, visita-os tanto quanto pode. 
A aldeia, em fragoso alcandor, semelha presépio em neve dura. 
Ainda o turismo massivo a não vitimou, não ainda. 

O neto é pianista em um salão de luxo de hotel-cinco-’strelas. 
Formou-se em engenharia-mecânica mas não seguiu carreira. 
Ganha para viver sem sustos com a música de estereótipo. 
Mora num apartamento mínimo perto do porto-comercial. 

O avô amealhou subsistência na pastorícia. 
Comprou prédios rurais, que arrendou ao cultivo. 
Tem oitenta & oito anos sem um suspiro dado. 
Não vai à igreja nem diz mal dela. 

A avó vai – é o cinema dela, como dizia uma velhota beirã. 
É oleira – na barraca do quintal, cria bonecos de ofícios. 
Começou por entreter-se com aquilo, agora é industriosa. 
Os senhores da Câmara fazem-lhe encomendas boas. 


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Canzoada Assaltante