11/01/2021

VinteVinte - 186 (III)


 



    III 


    Prédios de quatro, cinco e seis andares a montante do bairro, com alas de garagens no pátio traseiro. Além-garagens, o muro da quinta velha. No terreno desta, a casa em ruínas que abrigava o feitor. A Câmara mandou vedar o poço depois de ter percebido que era chamadouro de suicidas sem hesitação. À esquina do último prédio – no sentido Bom-Tempo/Cárceres – estabeleceu-se em 1994 a Pastelaria Colonial-Bandeira, especializada em folhados-de-carne & delícias-d’ovos. Há aposentados da função-pública, estudantes que partilham águas-furtadas, bêbados decentes que nunca estrilham, fauna geral de pré-subúrbio. Por estas bandas vazias vai existindo Nino Blanco, diminutivo de Apenino + patronímico de ascendência castelhana. É formoso mocetão de olhos cerúleos, lento licenciando de uma das engenharias universitárias & feliz filho-único da directora-técnica/proprietária da Farmácia Blanco, aquela que iça a cruz verde a meio da artéria, a meio tanto para quem desce rumo a Bom-Tempo como para quem sobe rumo a Cárceres. Converso à vontade com Nino na Colonial-Bandeira. Um pouco de bola, um tanto de política, nada de grave, frases mormente ouvidas noutro lado. Separam-nos mais de trinta anos, pois que ele fez 25 em Junho. Eu falo menos do que ele – e ele também não é de falar muito. Ele costuma trazer revistas especializadas nos desportos automóveis, o jornal da casa contenta-me. De vez em quando, aparece com uma namorada nova, que é sempre radiante, sempre loura & sempre rápida. Só eu pareço ciente de todo o mulherio da rua ser semidoido pelo rapagão. Isso, a par da perfeita inocência dele & do seu não-fabricado encanto, faz-me sorrir discretamente. Também eu já perfiz apenas 25 anos – mas tal foi noutros século & milénio. Talvez felizmente, não suscitei paixões, amarranços, doidices. Namorei uma só, com ela me casei, o divórcio aconteceu por, suponho, ser moda. Vi a ex-mulher (nunca digo “minha” antes, não faz sentido já) no Casino da Figueira há nove anos. Pareceu-me bem, na medida ou nos parâmetros do bem-estar indumentário, e clínico, e coiso. Acho que me não viu – ou então disfarçou muito bem. O Nino não a conheceu, era novito de mais. No fundo, importa tanto como nada. Conta ter conta no banco com alguma coisa que se conte para alguma precisão, algum desvario da fortuna, algum cruzeiro às Antilhas ou-assim. 

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Canzoada Assaltante