15/01/2021

VinteVinte - 189 (I-IV)


189.

 CONTA DA PRÓPRIA LUZ

&

À FLOR DAS HORAS INUMERÁVEIS

 Coimbra, quinta-feira, 12 de Novembro de 2020



    [I] 

    [Escrita, a voz torna-se História. 
    A pessoa dessa escrita (à feiticeiro-de-oz) alastra por as pessoas-em-leitura. 
    Este fascínio é novidade perpétua. 
    Sabe-se que Sófocles ou Rilke mortos – deveras? Não. Édipo & Malte são voz de vozes, alastram, vigoram & vicejam. 
    Daí que V. tenha sido, ontem, dito: 

    Jorge Américo Dourado. 
    António Chana Lourenço
    etc.] 

    II 

    Em apeadeiros ferroviários, aqueles relógios arredondando o Tempo. Em trânsito, o olhar adquire planos desses mundos falsamente quietos. O cego da Rua dos Sapateiros vem & vai de comboio. Cumpre a sua condição penitenciária – por que crime, ninguém sabe, a começar por ele. Derredor, vielas apodrecem sem clemência. Em transumância, hordas cumprem, elas também, vitalícias penas. Documentos guardam o relicário pobre destas vidas. Toponímia, ajardinamentos, aludes, súbitas alvarelhas de alegria pura até. (Alvarelha, aberta de bom-tempo em meio à tormenta.) 
    Dever de comida todos os dias. Sentimento da punição injusta. Sem-sentido da condição lúcida. Gravidade perigosa da poesia, também. (A boa, não a outra.) O que se vai sabendo, relacionando, cotejando, classificando. Nos tais apeadeiros, a eternidade espúria, ilusão tremenda, quem nos leva a ver o mar? 

    (III) 

    (Acaba sendo sórdida. Tanta-coisa-tanta-coisa e acaba em sordidez. Quem a ouviu falar, assim tão expedita, tão deix’andar – quem a não conhecer, que a compre, disse o néscio ao vero burro.) 

    IV 

    Tornamo-nos lendários. 
    Fantasmamo-nos um pouco. 
    Dissipamo-nos sem cura. 
    Vai, quem pode, às compras. 
    Reproduzimo-nos em alienação. 
    Cavalheiro alto vestido de lavado. 
    Rapariga citrina da estação-de-serviço. 
    Vamos, sendo-a, pela sombra. 
    Quantos não chegam a Camões. 
    Que te leva à sisudez? 
    A perder, mais se aprende. 
    Tome-se conta da própria luz. 
    Jaime Tomás, Bela Cerqueira. 
    Ele, de pai desaparecido no mar. 
    Ela, de mãe fugida à fome. 
    Quem lhes faria algum verso? 
    Velhas com roseira à porta. 
    Chá com a senhora Júlia. 
    Omelete de pata com o senhor Dalot. 
    Segurança blindada, então-me - & lendária. 




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Canzoada Assaltante