04/11/2020

VinteVinte - conclusão (salteada) do 103

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(XII)

 

(Não.

Ter essa arma na mão.

A palavra Não é a arma mais forte.

O Sim não é fiável, vai da sorte.

Umas vezes dá, outras – lá está – Não.)


 

(XIII)

 

(Sendo cada um produtor de sua mesma representação, é natural – é inevitável, aliás – que cometa erros-de-casting. Corrige-se & segue-se. Em frente, de preferência.)

 

(...)


 

XV

 

Com aparatosa dignidade de catedral ambulante, passa no andor da minha recordação a senhor Ciana de Remédios Gronde Apolino, dona de três quartas partes da Vila & casada com o mais reles servente-de-farmácia que o gozão chamado Deus já engendrou, dito Cesaltino Apolino, quarenta quilos de nervos mal enfeixados em cinco quilogramas de ossos pontudos.

 

XVI

 

Não sei já se ele veio de Friúmes, Andorinha ou Rio de Galinhas. Sei que enfim veio – o que já não é pouco. Trazia no olhar uma dureza de fome curtida em criança – o que é muito mais do que apenas pouco. Aplicava ao trabalho essa dureza, essa desconfiança, essa amargura que nenhuma mulher logrou alguma vez adoçar. Nome dele? Artémio. Artémio Jorge Vilão Mortágua, nascido como eu em 1964, mas ele não em Maio, em Setembro sim. Fez a Comercial de noite, empregou-se na banca, foi trepando. Comprou casa na Mesura, descia Santa Clara a pé, devassava a ponte daquele nome, descia a Visconde da Luz, entrava ao emprego na Sofia. Almoçou anos na Democrática, anos que em troco o comiam. Morreu a semana passada, um sobrinho ficou-lhe com a casa, aí está o que não era nem deixa de ser.

 

(XVII)

 

(Há já muito que não liberto risadas cheias dessa inocência peculiar chamada malícia. Sabendo-se mais da mecânica social, o riso rarefaz-se. Não é matemático que do meu lado more, invariável & invariavelmente, o Bem – enquanto, do outro dos outros, o Mal estenda tenda de granito elástico. Não é por aí. É, antes, porque a culpa subjaz a tudo, a bestialidade impera, a ganância não conhece freio – e a bondade aparece como um lavar-cus-a-meninos. Não tendo isto porém remédio, por remediado o dou.)

 

(...)

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Canzoada Assaltante