27/11/2020

VinteVinte - 141 (VII-XI, com cortes)



Coimbra, terça-feira, 15 de Setembro de 2020 (VII-XIV)


(VII)


    (Não pode por enquanto a Fealdade Global opor à minha vida uma muralha sem transcurso, não pode. 
    Tenho aguentado bem o coice.) 

VIII 

Desimporta afinal o indivíduo, 
só as multitudinárias gerações valem luta, 
calem dos poetas o vozear inócuo, 
só ao rumor do rebanho a terra escuta. 

IX 

Saímos um pouco a haurir do mundo a paz. 
Isto tem seu quem de aldeia, vive-se porque sim. 
Torrentes siderais importam aqui pouco. 
À tardinha, já se asperge para a noite o jardim. 

Ilusória lentidão, valha a verdade. 
Em um quási-nada, obsolescemos. 
Há todavia bem pior do que esta pasmaceira. 
Há o presídio, o hospício, a ingratidão, o cancro. 

(...)

Quando só, dou-me a circunvalações mnemónicas. 
Já nada penso em gajas, mereci o sossego. 
Rocei as grandes fortunas – e não valho um asse. 
Mas sei o que seja asse, que de romanos venho. 

Na hora vesperal, nem perdão nem culpa sofremos. 
Isto parece-se com a vida, lotaria sem prémio. 
Doce deveras é porém adormecer sem pressa. 
Isso – e aderir a velas azuis já a meio-sonho. 

Morava aqui perto Alberto Severo de Melo. 
Mora ele ora na ignota estepe dos defuntos. 
Mal por aqui bem passou – como nós todos. 
Deixo-o em estes versos porque o posso. 

Se era esta a vida? Não era – mas outra não há nem hei. 
A oportunidade é única, perda & ganho também. 
Não senão um o rubicão-delaware. 
Por aqui, é Mondego – e maiúsculo. 


A roulotte de farturas de beira-estrada serve. 
Param saudosos das feiras & da farinha-frita. 
Vivem ambulando, que o Senhor os conserve. 
Um casal avoengo compra para a netita. 

Já se esmói a tarde, não tarda anoitece. 
O calor ’inda sufoca a geral bastardia. 
Viver nem sempre é o que mais apetece. 
Enfim, tudo depende do rolamento do dia. 

Em casa (alguma havendo), com livros & chá, 
ele sempre foi dando para certa construção. 
A partilha é pouca? Sim, talvez & não. 

Sete farturas / cinco euros, a compra assim dá. 
Acalmia & sossego, zero-revolução. 
Muitos não têm sequer para pão. 

XI 

Sem esforço pugno pela higiene sentimental. 
A idade simplifica certas dantes complicações. 
A usura de artes subsidia a acalmia. 
O sensorial é mais filtrado, vai lá com calma. 
Em galeria, visões & epifanias significam à vez. 
Quintais, árvores-fruteiras, hortas mínimas. 
Bibliotecas, horas-demoras, achamentos. 
Rácio benigno de lembranças & esquecimentos. 

Em meu canto, assimilando vou perspectivas. 
Verticais sempre, certos livros parecem-me pessoas. 
Lowry, Dylan Th., Yourcenar, Antero de Figueiredo. 
Poetas outros que trabalharam muito & bem. 
Faço a todos companhia que quero sensata. 
Não me ilude a permanência própria, não já. 
Em obra, já hesitação nenhuma, assim sigo. 
Comprei hoje vinte lápis por fora amarelos. 


Sem comentários:

Canzoada Assaltante