20/03/2021

PARNADA IDEMUNO - 147 & 148

 

© DA.


147

Sexta-feira,
19 de Março de 2021

    Vim à Música. Vim à rua, dá no mesmo. O ar é terso, a luz é tersa. Muitos conheci que, gostando de viver, não vivem já. Lamento mim adentro que esta luz & este ar lhes não sejam de proveito. É a Lei. Há já algum comércio desconfinado. Mais carros nas pistas urbanas. Ainda não é o pandemónio. Dá para versejar sem alheios cotovelos ameaçando a caligrafia. Vi uma torre loira chamada Gabriela. Continua meda de trigo. Sei-a há mais de cinquenta anos, éramos de ruas próximas. Ia vestida de marca parisiense. Não me reconheceu: isto das máscaras serve também para se ser mais só. Problema nenhum. Vi uma litografia de São Sebastião crivado de flechas, como se ele fosse Mishima & eu fizesse de Yourcenar. Frio nenhum. Na Sá da Bandeira, lá ao alto, tomo assento público, respiro um pouco a frescura nova, já entardenoitece. Para cá, vim sendo mauzinho: Faulkner é bom, Hemingway foi moda, Camus é bom, Sartre foi moda. Dá-me para coisas assim, andando livre a respiração por a minha marciana (dia dezanove) Cidade. É Dia do Pai, dizem. Já pensei hoje no meu – mas o mesmo faço de cada primeiro-de-Janeiro a cada derradeiro-de-Dezembro. (Verdade.) Todos os dias o penso. Nada lhe dói, nada lhe custa. Mas também nada o faz sorrir ou desejar. Eu gosto de Pintura porque ele era pintor. Eu sou benfiquista por ele ser do Benfica. Tudo muito fácil, curial até.
Não sei quanto tempo falta para a eternidade.
    Estou demasiado vivo para tal coisa saber.
    Saí hoje à luz tersa (mas é sexta) & à Cidade,
    algo haveria por conseguinte d’escrever.
    Pessanha é bom. Torga foi moda.

148

Não sei quanto tempo falta para a éter-idade.
Sobrevivo muito, tem-se volvido rotina.
Os poucos que escavais por esta mina
de versos, sabeis Vós o que ser há-de?

Coimbra, entardenoitecer, Sá da Bandeira.
Aqui perto, estive com Armando Silva Carvalho.
Perto também, com Jorge Manuel (uma 2.ª-f.ª),
jantei ao desbarato, como se fôra seu filho.

Estou na antecâmara de ser noitinha.
Lojistas, ele os há, mui desesperados.
O vírus-chinoca mata basta gentinha,
nem a torrão chegam os incinerados.

A moça advogada chega cansada
ao carrito de torna-casa, são sete da tarde.
Pratica há três anos, ganhou mais que nada,
mas já sépia se mostra o que era verde.

Miguel Jaguar, boy-dandy de Lordemão,
espatifou o carro que era do irmão.
Sabina Maria, lady da Arregaça,
fia muito fino à menor chalaça.

O tal Jorge Manuel frequentou o Teatro Avenida.
Tal foi noutro século, como se em outra vida.
Uso o meu amor como os passes de antigamente:
vinha o Pica e picava os de toda a gente.

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Canzoada Assaltante