24/07/2021

PARNADA IDEMUNO - 670 a 672


670

Sexta-feira,
23 de Julho de 2021

    A par pela calçada que debrua a praceta, as duas prenhes lá se vão, embaraçadas, engraçadas, como se houveram engolido cada uma seu berlinde gigante, artelhos & tornozelos com roxuras de senhoras-dos-passos, coalhou-se nelas o leite disparado por seus maridos, um marido por cada. Isto é no tempo em que o cinzentismo babuja niños-prodígios como o Joselito & a Marisol. Ainda há totobola até 13. Roger Moore ainda é santo, não ainda zero-zero-sete. Abafadiça, pegajosa, uma mosca tenta o antebraço, é sacudida pelo reviralho irritado, segue de esguelha para outra mesa, outros tripulantes, nova-corrida-nova-viagem. Ainda é preciso escrever nome & morada no boletim do 1-X-2, faz jeito à PIDE-DGS, quando vierem os cravos o S de DGS será de Saúde, não de Segurança. Por enquanto, a praceta ainda babuja túrgidas fêmeas, cetaceamente receptáculas de espermacete casado, tudo sob a vigilância da senhora-de-fátima-grundig & do cão-de-louça-telefunken & do Príncipe Valente, cujo cabeleireiro imita o da Beatriz Costa. Já, jamais, ainda & nunca mais.
    A bandeira verde-rubra grita futebol de terceiro-andar, o painel de São José & o Menino açucenando azulejos pios, de camélia ao peitilho passa o taful Isidoro, que é nome de salsicha tipo frankfurter – mas só tipo, as alemãs a sério são outra iguaria. Este era um bairro moderno quando Cesário ainda tossia sangue, já se amarelara quando Amadeo foi segado pela influenza. Coxo-côto do pé-direito, passa Arnaldo, viril murchidão destas artérias, de pouco-nada-zero lhe valeu a cagança de motociclista numa altura em que a bicicleta era promoção na hierarquia comunitária. Diz-se que debruava as olheiras a lápis-de-senhora, infâmia talvez, talvez por de seu natural o olho árabe, a tez carbono-caramélica, híbrido de oito séculos alfange-adaga-ponta-&-mola-canivete-suíço-navalhinha-de-cortar. Se até aos 29 julgámos perene esta organizada pasmaceira, esta rebaldaria com horário – já a não julgamos assim. O Peres morreu, o Carlos-Beto nem tempo teve para estar doente, o André Russo foi despachado aos 54 por mais que tentasse termas, saunas, piscinas gasosas, subidas ao Caramulinho, prostrações na Cova da Iria – tanto iria, que se foi. A Celeste Major, idem. Ficam os gestos, não os braços. Fica a andarilhança, não o pedestre. O Diniz deixa a pastelaria à sobrinha, já sob a tabuleta de Alcarraques jaz sonhando com trocos, sacos de farinha, convencer a Santa Casa a dar-lhe alvará de euromilhões, raspadinhas, sortes de sonho. Não quer dizer que o Cação asse mal o frango, que o Nato peixeiro não recorra ao congelado, que o Isidro com mais um o não chegasse a Isidoro. Como solene actor na deixa certa, surge dos bastidores da bandeira-nacional o gato de terceiro-andar. Vem lobrigar as tropas bípedes do bairro, estas que afinal humanam o Tempo, mimam a macacada pelicana que galapagamente deixa incrustada na rocha a nebulosa espiral ácidodesoxirribonucleica. É o caso da Marilu (como na canção), é o caso do Baptista protestante, é o caso dUSAmericanozitos-meninos-de-deus que camis’engravatam o esquisito evangelho de Joseph Smith. Durante algum tempo, o pedaço é matinal, dura sábado, cheira já aos frangos do Cação, o Nato quebra pelo espinhaço o lingote de gelo para aviventar o carapau de palmo & a corvina rica. Já a sobrinha do Diniz se despacha mui bem, aviadeira de pão-d’água-d’avó, mil-folhas, empadas, natas como olhos purulentos de pançudos cirróticos, bolas-de-berlim lambidas a icterícia, fúrias do açúcar que embebedam a mosca de há linhas. Sim, está aí o meio-dia, furtivo se nos achegou ele, nem a calendário obedece, morto quem morreu, vivendo quem respira, o 1-X-2 chama-se agora euromilhões, na pausa há as raspadinhas, jogo de senhoras com moeda para tal, de recém-casados a contas com os respectivos sogros, de bebedores matinais de porto, esses morning-drinkers da comandita do Cardoso Pires. Tanta cifra, tanta zebra, tanta febra, tanto nada-resto-zero. Durante um quarteirão de invernos penarás hipotecado, dois anos com o apartamento pago & eis-te freguês do i-pê-ó, por enquanto és ambulatório & chiu. E daquela vez em que fiz a pé Prazeres-Alameda, sim, ali por Alcântara dois macanjos atravessaram a via na minha direcção, contracruzei o tráfego direito aos pastéis-de-Belém, ficaram a olhar-me do lado-de-lá da impotência, isto foi mesmo assim, nem sempre os ciganos se ficam a rir, num instante estava em Santos, Arsenal, Almirante Reis, Intendente, Chile, Império, acabei por ir cervejar a fadiga sã ao Areeiro, naquele canto frequentado pelo sósia doidinho do Ciccio Ingrassia. Todavia, esses bairros não são este, meio-dia & dez são elas, mais de quarteirão de anos volvido é. Sim, de quando em vez recorre-me Lisboa finissecular a mente, um pouco mais agora por causa daquele livro de Armando Silva Carvalho de que V. dei recado titular, julgo que ontem ou cois’assim por aí. Quando lá estive, fui romano – mesmo sem ter visto o papa, antes vendo bisarmas enfermas de nanismo literário, nem mal me fizeram nem bem lhes botei, pratiquei aí uma solidão sem mariquices sentimentais, ocidentais sim, que Cesário & Pessoa & Eça ’inda por ali espectram certa aura, incerta gaze.
    Na página 24 (op. cit.), Armando S.C. assim:

    “Os bairros triviais fazem sair de casa amores atribulados.
    Entre a merda dos cães e outros fados
    passeias o esplendor duma irreal beleza.”

    Do primeiro verso, alinho nos “bairros triviais”, pois de “amores atribulados” há muito deixei peneiras & penachos. Do segundo, percebe (exasperando-se) mais do que toda a gente o meu Amigo Joaquim J.C. – e não me refiro a “outros fados”. Do terceiro, vá cada Leonor a sua fonte.
    De resto, boutiques de pão & bitoques de cão.

671

Verão.
Portugal: país de pombos à espera das migalhas inglesas.
De resto,
antes invernosamente só.

672

Consumi a hora final da manhã hodierna
produzindo o 670, até julguei ser sábado,
só depois vi que não, que o sábado é ainda porvir.

Consumo agora com o 672 a hora última de luz,
já o Sol sangra seu laranjal naturalmente a poente,
é tépido o instante, ando de algodão curto pela casa.

Revi há pouco um pouco do meu amado Matt Marriott,
criação da dupla Tony Weare / Jim Edgar, grande figura
que na criação me ajudou à educação com ilustração.

Não se perde tudo na vida
Ah pois não
Só se perde a vida
(De)Pois então.


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Canzoada Assaltante